- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos episódios anteriores.
Legion continua desafiando o conceito de realidade em um episódio carregado de informações, mas talvez um pouco econômico na progressão da história. De toda forma, o trabalho de Noah Hawley continua absolutamente cativamente e imersivo, daqueles que conseguem hipnotizar o espectador.
Reparem, por exemplo, nas narrações de Jon Hamm em suas “aulas” relativizadoras da realidade. Desta vez, o episódio abre com esse artifício narrativo e nos bombardeia com situações completamente impossíveis, aparentemente retiradas da mente fervilhante do showrunner e de seu co-roteirista Nathaniel Halpern. Afinal, como acreditar que o tique nervoso de uma líder de torcida pode ser contagioso? Como crer que já houve uma “praga dançante” no século XVI ou uma “epidemia de riso” em Tanganica? Como aceitar que a mente pode moldar a realidade?
Movido pela curiosidade, pesquisei e descobri, para minha surpresa, que cada situação descrita nesse prelúdio é verdadeira ou, pelo menos, há relatos consistentes a respeito. Ok, o primeiro, da líder de torcida, é uma extrapolação a partir das demais situações que são descritas como histeria ou, como é conhecido hoje, desordem de conversão, uma condição médica em que os pacientes, em razão de algum evento normalmente exterior, como o estresse, desenvolvem sintomas neurológicos sem uma causa neurológica direta. E é fascinante notar que esse distúrbio, pelo menos nos exemplos dados, podem ser contagiosos.
Lógico que o prelúdio tem relação direta com o tema da série e da temporada, com o tal vírus que faz os humanos ficarem paralisados e batendo os dentes freneticamente, além da própria questão do que é a realidade. No caso do vírus, há uma revelação diretamente do Rei das Sombras para David no plano astral “quinta espanhola” do vilão: é o monge Mi-Go e não Farouk o vetor da epidemia. Ou, pelo menos, essa é parte da verdade, pois Hawley nos leva de volta ao passado em que a brilhante sequência da “batalha de giz” entre o Professor X e Farouk, na temporada anterior, é vista no reflexo do óculos do personagem, que acaba derrotado, e cujo corpo, então, é colocando em um caixão em formato de ovo (novamente a simbologia do ovo aparece) e enterrado no subsolo do monastério Mi-Go, que fica em local incerto e não sabido. Lá, as batidas psíquicas (ou não) que Farouk gera enlouquece e contamina os monges, com o que vemos na série sendo, aparentemente, o último sobrevivente e aquele que acaba espalhando o vírus, talvez até não propositalmente.
A construção dessa lógica interna é surpreendentemente clara, já que narrativas diretas não costumam ser um traço característico dessa série. Mas era necessário algo assim e a forma como fragmentariamente aprendemos sobre essa história é sensacional e, mais do que isso, inquietante. Quando o roteiro então nos arremessa de forma mais definitiva para o presente – com flashes para o futuro com a Velha Syd escrevendo letras no ar que acaba soletrando hurry ou “rápido” – David tem que lidar com mais um ataque à Divisão 3 (isso já está ficando cansativo…), agora interno, pelo monge em fuga que contaminou seus amigos, matou outros e mantém outros controlados como o Flautista de Hamelin.
É aqui que a história para um pouco e começa a usar a estrutura de corrida de obstáculos, com David lentamente entrando na mente de seus colegas para curá-los do vírus. Mas, mesmo que isso acabe não acrescentando muita coisa à narrativa macro, não deixa de ser fascinante esses mergulhos nos labirintos das mentes de Ptonomy e de Melanie, o primeiro vivendo em um idílico jardim-labirinto em que seu maior desejo – o esquecimento – é realizado (sem esquecermos da criatura que entra em seu ouvido e em cuja “gosma” Cary pisa quando lá dentro), com a segunda em algo que se parece muito com aqueles antigos jogos de computador baseados em texto, marcando a volta do minotauro que vimos antes na temporada (seja lá o que isso signifique além do óbvio). Sem dúvida alguma, são sequências inspiradas e que, especialmente no caso de Melanie, agregam bastante à sua personalidade quando David desvenda seu desejo de ser livre, de desvencilhar-se de sua ligação com Oliver.
Confesso que fiquei receoso quando Kerry (espetacular a realização de que ela não está acostumada a viver no mundo real e que nem mesmo sabe usar o banheiro sem ficar espantada) e Syd aparecem contaminadas, pois achei que o episódio repetiria a rotina do labirinto da mente também com elas, mas em versões reduzidas para caber aqui. Acertadamente, porém, Hawley nos deixa em um cliffhanger daqueles miseráveis, que para a ação no meio dela, sem a menor cerimônia (aqui, um exemplo de corte brusco bem feito e desesperante). Será interessante ver o que David encontrará na mente de Syd e o que acontecerá com Cary preso na mente contaminada de Kerry.
Todo o design de produção do episódio usa o tema labirinto como inspiração, transformando a Divisão 3 em algo que poderia facilmente ser um construto mental do próprio David, algo que é amplificado pelo uso de câmera baixa, pouca profundidade de campo e as cores fortes causadas pelo alarme e pela falta de luz que aciona o gerador. Desnortear é a palavra de ordem e desnortear é o que a direção de Sarah Adina Smith consegue fazer ali, em mais um exemplo do como o artifício da forma sobre a substância pode ser relevante, quando bem utilizado.
Mas, por mais que seja impossível desviar os olhos do episódio e por mais que a realidade consiga ser tão irreal, se espremermos, sai pouco caldo narrativo de Chapter 11. Claro, ainda estamos no terço inicial da temporada e as peças estão sendo arrumadas no tabuleiro. Só espero que o jogo comece logo para que ele seja desenvolvido sem pressa.
Legion – 2X03: Chapter 11 (EUA – 17 de abril de 2018)
Showrunner: Noah Hawley
Direção: Sarah Adina Smith
Roteiro: Noah Hawley, Nathaniel Halpern
Elenco: Dan Stevens, Rachel Keller, Aubrey Plaza, Bill Irwin, Jeremie Harris, Amber Midthunder, Jean Smart, Navid Negahban, Jemaine Clement, Hamish Linklater, Jon Hamm
Duração: 47 min.