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Crítica | Legado (A Saga Silo #3), de Hugh Howey

Mais decepção em uma saga que se perdeu.

por Ritter Fan
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  • spoilers.

Depois da decepção que foi o “capítulo do meio” da Saga Silo, em que Hugh Howey resolveu fazer um gigantesco flashback no lugar de avançar a história que ele havia construído, confesso que fiquei desanimado para a leitura de Legado, o desfecho de seu épico pós-apocalíptico. Mesmo sabendo que ele, claro, retornaria com força total a focar no presente da narrativa, agora adicionando os personagens do Silo 1 que conhecemos em Ordem, meu receio era que não haveria tempo hábil para que ele entregasse uma trilogia realmente fechada, mesmo que inevitavelmente aberta a possíveis futuras continuações, algo que é regra hoje em dia para praticamente todas as manifestações artísticas audiovisuais e literárias que têm intenção de se tornar franquias.

E meu receio, infelizmente, acabou concretizando-se no terceiro volume, pois todos os conceitos que Howey criou para fazer de sua obra algo diferente, fugindo do lugar-comum de uma guerra nuclear “padrão”, o que envolve um curioso tríptico formado pela perniciosa ameaça da nanotecnologia como vetor de ameaça à humanidade, o avanço da criogenia como forma de perpetuar uma casta “original” de humanos que se mantém no controle de dezenas de silos construídos com o propósito de preservar a humanidade por gerações e um milagroso medicamento que “apaga a memória” de quem o toma de maneira que o passado não venha a influenciar o futuro, acabaram desperdiçado em uma narrativa de encerramento que não sabe exatamente como desenvolvê-las, criando, na verdade, uma obra que obriga o leitor a aceitar tanta coisa na base do “porque sim” que a leitura acaba pesando demais. E isso sem contar com a maneira barata como Howey faz uso do sentimentalismo novelesco para criar carga dramática a acontecimentos que poderiam ser realmente pesados em mãos mais hábeis.

No entanto, em termos de desenvolvimento macro, ou seja, do caminho visto à distância que a história toma, Legado funciona, mas funciona dentro do que exatamente se espera de obras do gênero, mostrando mesmo aqui que a originalidade que Howey tentou trabalhar em Ordem acabou não sendo realmente traduzida em algo ousado e diferente para o final. Juliette retoma o protagonismo, claro, começando um projeto mal recebido pela população geral de seu silo de usar as máquinas e a energia dos geradores para cavar um túnel de ligação até o silo de Solo e dos jovens como ela prometera. A forma como a heroína tem seu feito de saída e retorno ao silo reduzido a algo que logo se transforma em desconfiança é sem dúvida interessante e inesperado, mas mesmo isso é mal aproveitado, já seu progresso não chega a ser realmente ameaçado por seus pares e nem pela igreja radical que aparece da cartola mágica de Howey e que é usada para um momento estranhíssimo de quase-pedofilia que, se não fosse um assunto tão nojento, teria me levado à convulsões de risadas.

A forma como a narrativa dos três silos centrais converge também tem o seu valor, mas não é nada especial, nada fora do básico em termos de construção e do que se espera, como se o autor estivesse acomodado, escrevendo apenas de maneira simplista, sem real engajamento com sua saga ou sem saber amarras as linhas narrativas que criou de maneira completa e verossimilhante. Por exemplo, o texto dá a entender que algo havia sido feito nas ligações e encanamentos que fluem do Silo 1 e chegam ao Silo 18 que impediriam ou alterariam a capacidade do primeiro em eliminar o segundo, mas isso logo é esquecido e, no terço final da obra, o Silo 18 é eliminado com a nanotecnologia venenosa, somente para que algumas centenas consigam escapar para o Silo 17 e, finalmente, descobrir que o planeta já estava se recuperando e que a vida poderia começar a florescer do lado de fora. Como exatamente Howey não se preocupa em explicar, assim como ele não trabalha o mistério do Silo 40 que é mencionado tantas vezes ao longo da trilogia.

Considerando a quantidade gigantesca de páginas dos três livros, era obrigação do autor oferecer respostas lógicas aos mistérios mais relevantes, mas ele parece ter se desinteressado por sua criação e entregue um final que é frustrante, só que de maneira diferente do segundo livro, já que a frustração, aqui, se dá pela maneira simplista como ele encerra uma história que continha contornos de complexidade e originalidade em sua construção. E a cereja estragada no bolo solado que Howey tira do forno é, como disse, a maneira barata como ele emprega o sentimentalismo, algo representado pelo momento de suprema breguice lacrimejante em que Lukas, morrendo, despede-se de Juliette pelo rádio. Até isso, diria, deixa de ganhar o relevo devido, já que o momento é logo esquecido em prol dos eventos frenéticos que acontecem ao redor de Juliette no Silo 17 e pela maneira corrida como o novo status quo é estabelecido e ao mesmo tempo desfeito, sem dar tempo para o leitor degustar e pensar sobre o ocorrido, ainda que pensar não seja exatamente uma atividade essencial para o leitor nesse final. Infelizmente, com tudo isso, uma saga apocalíptica que prometia muito acabou não entregando quase nada, desfazendo-se sob o próprio peso de suas pretensões.

Legado (Dust – EUA, 2013)
Autoria: Hugh Howey
Editora original: Kindle Direct Publishing
Data original de publicação: 17 de agosto de 2013
Editora no Brasil: Editora Intrínseca
Data de publicação no Brasil: 31 de agosto de 2016
Tradução: Edmundo Barreiros
Páginas: 480

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