Home Diversos Crítica | Lady, Lady, Fui Eu! (Mistérios do 87º Distrito #14), de Ed McBain

Crítica | Lady, Lady, Fui Eu! (Mistérios do 87º Distrito #14), de Ed McBain

Segredos incômodos.

por Luiz Santiago
141 views

O que me fez gostar menos deste décimo quarto livro da série Mistérios do 87º Distrito foi a revelação do assassino e a sequência curta que leva os detetives ao criminoso; mas é inegável que o autor, mais uma vez, explora muito bem a banalidade da morte no cotidiano policial, trazendo o sofrimento e a violência para bem perto de casa ao atingir fatalmente a simpática Claire Townsend (que surgiu lá no segundo livro, O Homem dos Óculos Escuros), namorada do detetive Bert Kling. A trama se passa numa sexta-feira, 13 de outubro, e já nos primeiros parágrafos temos uma boa abordagem para os eventos que ali se desenrolam. O autor faz questão de ressaltar que está focando nos “padrões” da polícia, dos cidadãos de Isola, do clima e da cidade em geral. É como um relógio social extremamente complexo, onde todos representam peças importantes e agem exatamente como deveriam agir… até que um grão de areia fica preso numa engrenagem e todo belo movimento estaciona, alterando-se para uma troca de posição caótica e traumatizante.

Com essa linha narrativa, Ed McBain quis ressaltar uma quebra de rotina que já vinha fazendo em pelo menos seus cinco últimos livros, experimentando modelos dramáticos, criando situações diferentes com o procedimento policial-investigativo e procurando novas formas de inserir o grande culpado ao fim do drama. Embora este último aspecto não tenha me agradado aqui em Lady, Lady, Fui Eu!, reconheço que é um ponto elogiável da técnica do escritor e que tem me deixado feliz, pois sei que a cada volume estarei livre de uma repetição de resolução, algo que sequências detetivescas contemporâneas (e posso citar com propriedade a série Mistérios de Meg Langslow) acabam demorando muito a aprender — se é que aprendem!

O que mais enerva o leitor aqui não é apenas a crueldade do assassinato, mas o seu fator banal, levando inocentes a tiracolo. O crime, que ocorre numa livraria, traz um grande peso para o grupo de detetives e policiais do 87º Distrito, fazendo com que algumas acareações sejam bastante violentas e exija um relatório manipulado — algo que fica muito claro ser a intenção de Carella ao registrar a abordagem do último suspeito, que mereceu o tratamento que teve, por sinal. Talvez por estar muito próximo dos agentes da lei, a investigação desse caso parece mais urgente e mais enrolada, com os policiais nervosos e, ao mesmo tempo, sem saber para onde olhar. Até que alguns segredos de Claire, em seu serviço de assistente social, começam a aparecer. E uma necessária e sempre atual discussão sobre o aborto em casos de estupro entra em cena.

Por mais que o autor tenha um sem-número de diálogos e construções questionáveis quando se trata de igualdade de direitos para diversos grupos, ele sempre faz as defesas certas em seus livros, e este aqui é mais um dos muitos exemplos. A discussão levantada, porém, bate com as “mãos atadas” dos protagonistas, que são policiais e precisam cumprir aquilo que a lei diz. É igualmente hediondo a conivência do Estado com a violência contra a mulher, mas é a realidade; e, em pleno século XXI, vemos a política da interrupção da gravidez retornar aos parâmetros dos anos 1950 em diversos países, provando que tal ferida nunca se curou.

Neste livro, o aborto de uma adolescente de 16 anos é a causa primária para uma série de mortes. Infelizmente, o autor escreve os personagens muito condescendentes para com o estuprador, o que também reflete muito uma ideologia, um sintoma de gênero e uma marca dos tempos. No decorrer da trama, achei desnecessárias as pistas falsas (principalmente a que envolve um jovem viciado em drogas) e não consigo gostar da trilha que leva Carella ao assassino, após ouvir uma palavra pronunciada com um certo sotaque ao telefone. Mas o livro não fica ruim por isso. Ele permanece solidamente acima da média, numa classificação de desenvolvimento interessante que não faz muito além do esperado. Uma boa história policial com uma boa discussão humanitária.

Lady, Lady, Fui Eu! (Lady, Lady, I Did It! — 87th Precinct, #14) — EUA, 1961
Autor: Ed McBain
Edição lida para esta crítica: Thomas & Mercer, 2011
200 páginas (edição digital)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais