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Crítica | Ladrões de Cinema

por Roberto Honorato
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Então tu acha que cinema é paisagem?

Há sempre algo atrativo em comédias envolvendo um grupo de desajustados lidando com um assunto que não conhece, principalmente quando esse assunto é cinema. Filmes como Rebobine, por Favor (2008) e Os Picaretas (1999) são alguns dos primeiros exemplos que me veem à cabeça, mas nenhum dos dois tem a mesmo charme do nacional Saneamento Básico (2007), com o marcante humor brasileiro e uma pegada regional bem forte. É por isso que obras como Ladrões de Cinema, lançado originalmente em 1977, conseguem me conquistar e tirar várias risadas, independente de algumas referências datadas, com um enredo criativo e atuações muito boas. 

Em meio ao Carnaval do Rio de Janeiro, um grupo de companheiros do morro do Pavãozinho rouba todo o equipamento de filmagem de uma equipe de cineastas norte-americanos, que estavam cobrindo o evento. Mas ao invés de simplesmente vender as câmeras e gravadores por uma grana, os ladrões decidem fazer o seu próprio filme, um longa histórico sobre a Inconfidência Mineira. Mesmo tendo dificuldades, eles contam com a ajuda dos moradores da comunidade, mas nem todos parecem animados com essa ideia. 

Ladrões de Cinema é um filme extremamente carioca, não só pelo humor e as caracterizações, mas por transmitir o mesmo sentimento de comunhão e a energia da competição dentro das escolas de samba para criar um paralelo com a missão dos personagens, aproveitando os próprios moradores da favela para contribuir e fazer uma ponta em seu filme (o mesmo acontece nos bastidores, com o diretor Fernando Coni Campos convidando os habitantes para atuar como figurantes). No decorrer do longa, temos algumas entrevistas de figuras importantes do samba-enredo carioca, inseridas muito bem na louca trama dos ladrões cineastas e enriquecendo ainda mais a experiência.

É curioso notar como, ao debater sobre as possíveis premissas de seu futuro filme, os ladrões não tem interesse em simplesmente gravar um filme pornográfico barato ou utilizar o equipamento de forma leviana; pelo contrário, a decisão de realizar um drama histórico sobre Tiradentes e a Inconfidência Mineira ilustra uma favela rica em cultura e envolvida em se aproveitar das ferramentas do estrangeiro para criar sua própria arte. 

O enredo, que sozinho já é cheio de reviravoltas engraçadas, ganha mais força por conta dos diálogos, muitos improvisados, vindo de um elenco com enorme química. Milton Gonçalves é Luquinha, o líder do grupo, que assume o posto de diretor e tenta organizar todas as cenas e a equipe em seu “set” de filmagens. Entre zombarias, todo o elenco tem uma interação maravilhosa, jogando piadas e respostas rápidas. Antônio Pitanga e o galã do cinema clássico, Wilson Grey, são outros que souberam se aproveitar de um carioquês sagaz.

No papel de coadjuvante temos o incomparável Sebastião Bernardes, o Grande Otelo. Aqui ele interpreta um diretor à procura de alguém que possa investir em seu roteiro, e considera roubar o equipamento de filmagem para realizar seu próprio filme, mas precisa da ajuda de Silvério, um “antagonista” bem caricato, que poderia ser inconveniente se não fosse a carisma do ator Lutero Luiz, transformando-se em um “trambiqueiro” de primeira.

Surpreendentemente atual, Ladrões de Cinema traz toda a energia, o calor e a essência do samba-enredo carioca. É fácil relevar o final abrupto e uma sequência ou outra que poderia ter sido melhor montada, isso porque o orçamento modesto apenas adiciona mais charme ao longa, que não compromete o figurino carnavalesco ao tentar recriar uma ambientação histórica, sabe quando zombar e soltar piadas de teor mais crítico (o grupo de ladrões tentando imitar uma conversa entre turistas estrangeiros é uma das cenas mais hilárias do cinema nacional) e dá voz às figuras que fizeram do estado do Rio de Janeiro o que ele é.  

Ladrões de Cinema (Brasil, 1977)
Direção: Fernando Coni Campos
Roteiro: Fernando Coni Campos, Jorge Laclete
Elenco: Milton Gonçalves, Lutero Luiz, Antonio Pitanga, Wilson Grey, Procópio Mariano, Célia Maracajá, Jesus Chediak, Grande Otelo
Duração: 127 min.

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