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Crítica | Labirinto (2017)

A importância da memória.

por Luiz Santiago
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Lançada originalmente em 2017, Labirinto é uma HQ que explora as memórias da infância de um garoto chamado Nico. É uma jornada épica escrita e desenhada por Thiago Souto, que nos faz acompanhar os sonhos e um pouco da vida pessoal do jovem protagonista, correndo num mundo de fantasias (um mundo onírico, onde tudo é possível, inclusive a presença de criaturas e personagens que fazem referências a Toy Story e A História Sem Fim) ao lado de Góreck, uma espécie de robô; e de Falcor, um grande dragão. Existem diferentes camadas dramáticas em andamento aqui — as primeiras ambientadas no grande labirinto que é a mente de Nico, em seu estado desacordado; e as últimas ambientadas em seu período de vigília, onde a dura realidade o ataca.

A edição que critico nesse texto é a ampliada, lançada pela DarkSide em 2022. Ao final do livro, encontramos um posfácio onde o autor destaca as aproximações interpretativas que possivelmente fazemos no decorrer da leitura. Ele conta um pouco de suas experiências pessoais e fala sobre como as memórias foram decisivas para o seu olhar direcionado ao mundo de maravilhas capaz de fazer coisas impossíveis na vida de alguém. Nesse contexto, as memórias exploradas em Labirinto são o passaporte de fuga de Nico, que é chamado de “bicha” e “viadinho” pelos colegas da escola; que está em crise por não conhecer o pai; e por entrar constantemente em conflito com a mãe, justamente por este motivo. Somado ao fato de sofrer uma pesada violência física por parte dos alunos da escola, suas fantasias com Góreck acabam sendo o melhor lugar onde ele pode estar.

Para o autor, porém, o mundo do sonho não é apenas um local de divertimento puro e simples, de descanso alienado. Nessa realidade, onde a tinta tem um impacto muito forte na demarcação das emoções dos personagens (me lembrou muito a proposta visual do belíssimo filme Amor Além da Vida), Nico está o tempo inteiro indo à luta, tomando a coragem que, inicialmente, não tem na realidade. Nos sonhos, ele exala força para lutar contra os monstros que, na realidade, são representações exageradas de seus problemas pessoais. A princípio, o leitor não percebe essa variação representativa, porque também está perdido no labirinto. A própria condição desse mundo é um mistério para o público. Mas já no segundo capítulo entendemos do que a aventura trata. Desconfiamos do problema de saúde de Nico (que está sempre tossindo e sem ar) e passamos a aproveitar com muito gosto o incrível trabalho narrativo de Thiago Souto, que transforma as inseguranças de uma existência num épico divertido e que também leva ao amadurecimento.

A diagramação dessa graphic novel é um sonho. Gosto muito de histórias que exploram amplamente o movimento de seus personagens, e que sabem dosar o nível e a quantidade de diálogos necessários para cada parte da trama. Muitas páginas de Labirinto são exclusivamente dedicadas a corridas pela mente, pelos sonhos de Nico, transmitindo-nos um sentimento de exploração de um lugar muito rico, mas que certamente está passando por problemas. Não pude deixar de fazer comparações simbólicas com Divertida Mente, embora a proposta do quadrinho, tanto a temática íntima do protagonista, quanto no ousado visual de explosão de cores e tintas, seja de outra ordem. A organização dos quadros segue a lógica específica de cada capítulo, não um padrão engessado, e dá conta do conhecimento de novos cenários, da perda de alguns ambientes e do significado que esses lugares possuem para Nico.

O encerramento de Labirinto é bem emocionante. Como a composição de Góreck flerta com a dos super-heróis, a jornada que ele empreende no final, para salvar o amigo, ajuda a costurar a tese do autor sobre a memória, e representa de maneira visual o impacto do mundo dos sonhos. A coleção de memórias, de bons e maus momentos, de marcos reais ou de cenas fantasiadas por cada um de nós encontra espaço na reflexão feita por Thiago Souto nessa saga, que tem uma das aplicações de cores mais bonitas que eu já vi em um quadrinho. Labirinto é a viagem pela mente, pelos sofrimentos, sentimentos e outras dificuldades de um garoto com vívida imaginação e vontade de viver. É o trabalho de um inconsciente refletindo-se na vida real. A interação espantosamente bem ilustrada entre mundos distintos.

Labirinto (Brasil, 2017)
Roteiro: Thiago Souto
Arte: Thiago Souto
Editora: DarkSide Books (DarkSide Graphic Novel)
256 páginas

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