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Crítica | La Casa de Papel – 1ª Temporada (Parte Um)

por Luiz Santiago
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…e de repente, aplausos. Altares e loas daquelas bem altas e embasbacadas se viam por todos os lados. Um enlevo à “ilustre desconhecida” produção espanhola La Casa de Papel, criação de Álex Pina para a Antena 3, disponibilizada para o público brasileiro em dezembro de 2017. Originalmente, a obra foi exibida como uma minissérie em 15 capítulos, sendo os 9 primeiros televisionados na Espanha entre maio e junho e os 6 últimos entre outubro e novembro de 2017. Quando comprou os direitos de distribuição do show, a Netflix anunciou que iria quebrar os nove episódios iniciais em treze capítulos, como uma estratégia de marketing para a manutenção do espectador com episódios mais curtos, como é de praxe, no serviço.

A série é um misto de ação, mistério e histórias de crimes que acompanha um grande assalto com reféns na Casa da Moeda da Espanha. Muitíssimo bem arquitetado por um homem chamado de O Professor (Álvaro Morte) o crime se passa ao longo de pelo menos 11 dias e o montante previsto para o roubo é de 2,4 bilhões de euros. Nos dois primeiros episódios, Efectuar Lo Acordado Imprudencias Letales somos apresentados de maneira rápida à gangue, ao modus operandi proposto pelo professor, a alguns momentos da preparação e na chegada do grupo à Cada da Moeda. Neste primeiro momento, o roteiro está fresco, as coisas funcionam em um excelente ritmo e o inteligente uso de fatos presentes — alternados com flashbacks da preparação do roubo + pequenos ganchos para o futuro — instigam o público e tiram a impressão rasa de que esta só seria uma versão ibérica de 11 Homens e Um Segredo.

O que captura imediatamente o espectador em La Casa de Papel  é, em primeiro lugar, o potencial e a vida de cada um dos personagens (inicialmente desconhecidos) que encontramos. Para segurança de todos, O Professor estabeleceu algumas regras de comportamento e ações dentro da Casa da Moeda. Uma das primeiras dessas regras a ser posta em prática foi a de cada um escolher um nome fictício (de cidades, no caso) para que se evitasse aproximação demasiada ou pistas para a polícia. Deste modo, conhecemos Tóquio (Úrsula Corberó), Moscou (Paco Tous), Berlim (Pedro Alonso), Nairóbi (Alba Flores), Rio (Miguel Herrán), Denver (Jaime Lorente), Oslo (Roberto García) e Helsinque (Darko Peric). Cada um com uma habilidade de gângster diferente, cada um com uma missão e todos empenhados a passar o tempo preciso para a criação do “caminho de fuga” e saída da Casa da Moeda com o máximo de dinheiro. Mas como era de se esperar, nem todo plano, por mais bem programado que seja — inclusive tendo considerado contratempos e versões distintas do que poderia acontecer — é capaz de lidar com todos os imprevistos e acertar de que maneira algumas pessoas se comportarão em situações de risco, em grande pressão ou em um longo período de confinamento.

Eu disse que o primeiro ingrediente de captura do espectador é o potencial dos personagens, e isso se sustenta mesmo que embotado pela extensão e esgotamento dramáticos (praticamente o único grande problema da série até aqui) do meio para o final do arco. As idiossincrasias de cada personagem, a forma como se relacionam ou não com os outros, suas paixões, explosões emocionais, níveis de empatia ou antipatia criam um zoológico humano que rapidamente se mostra em três camadas: 1) a dos assaltantes + o professor; 2) a dos reféns, onde se destacam Monica (Esther Acebo), Alison (María Pedraza) e o imensamente odiável e insuportável Arturo (Enrique Arce); 3) a da polícia, onde se destaca Raquel (Itziar Ituño). Em cada um desses blocos vemos altos e baixos na linha dramática, mas o elenco segura bem as pontas, seguindo a regra básica de “ação e reação” e dando aos episódios uma constante alternância entre momentos da caça e momentos do caçador.

Através de uma montagem que alterna o espetáculo com o modelo de ações paralelas, o espectador aproveita dramas em ambientes e até em tempos distintos. Devido a agilidade da direção, o eficiente aproveitamento das filmagens em externas e uso do Estúdio para criação do interior da Cada da Moeda, só em poucos momentos é que a narrativa arrefece e o marasmo toma conta do roteiro. Isso, porém, não tem a ver com problemas de elenco, com mal planejamento da fotografia (que, aliás, é muito bem pensada, conseguindo belas tomadas noturnas e uma sequência final, no episódio 13, que é para aplaudir de pé) ou com a direção. Tem a ver com aquele problema fatal do arco que citei anteriormente. O quase inacreditável esgotamento da capacidade dramática de qualquer coisa que apareça na tela.

Pensem um pouco na seguinte situação. Você está navegando e clica em um vídeo genuinamente engraçado. É um vídeo curto, de apenas 25 segundos. A ação “acaba tão rápido” e você gosta tanto dela, que fica com uma dupla vontade: a de que o vídeo fosse mais longo e a de ver mais coisas daquela mesma situação. Pois bem. Agora imaginem o mesmo vídeo, só que em vez de 25 segundos, ele terá 3 minutos e 25. Não importa o quão engraçada ou fofa seja a situação. Não importa o quanto aquilo te toque ou divirta. Com o passar do tempo, você vai cansando do material, o vídeo entra no void da relatividade e parece ter o décuplo do tempo. O que é representado, mesmo não perdendo a graça em si, acaba enjoando por ser longo demais. Esta é a exata situação de La Casa de Papel. Tudo o que foi visto nos episódios iniciais dissemina-se em pedaços de consequências que, às vezes, demoram 20 ou 25 minutos para se desenrolarem, isso, sem necessidade. Claro que imaginamos a intenção primária, ou seja, “deixar o espectador roendo as unhas” e isso até funciona com alguns, mas não torna a obra uma boa narrativa só porque espreme um enredo até retirar-lhe a última gota e desafiar a paciência do público. Se o conteúdo não fosse realmente bom, muita coisa se perderia por esta opção da produção.

Este primeiro arco de La Casa de Papel merece muitos dos louros que recebeu. Trata-se de uma história chamativa e cheia de boas surpresas, desde detalhes como as máscaras de Dalí e O Grito, de Munch até a sagacidade dos autores em fazer com que os criminosos aqui se enquadrem naquele tipo que o público torce para que tenham sucesso, uma inversão de valores éticos sempre muito bom de ver nas telas — e não, isso não é nenhuma novidade nas artes narrativas, mas é executada com sucesso aqui. O problema, porém, é que se esticou em demasia. Menos episódios fariam muito melhor à série.

Existem visíveis sobras no bloco da polícia (o drama pessoal de Raquel quase em loop em alguns episódios, a insossa e irritante relação com Ángel) e um número inacreditável de sequências vazias no bloco do banco, isso apenas para “tomar tempo” e supostamente gerar no espectador a sensação de passagem dos dias, o que é a pior desculpa possível. Não creio que alguém que tenha visitado pelo menos uma aula de redação em toda a vida ou lido pelo menos um livrinho irá engolir que um roteiro precisa de “muitos episódios” para criar a “sensação de passagem do tempo”, quando isso pode ser muito bem conseguido com um roteiro objetivo e uma boa montagem. Mas vá lá. La Casa de Papel tem falhas, contudo, é um daqueles bons vícios que nos faz escolher “que tipo de personagem somos” ou que nos deixa cantando trechos de sua trilha sonora. E isso quer dizer muita coisa sobre o seu poder de alcance. Bella ciao, bella ciao, bella ciao ciao ciao

La Casa de Papel – Primeira Parte (Episódios 1 a 13) — Espanha, 2017
Criador: Álex Pina
Direção: Jesús Colmenar, Miguel Ángel Vivas, Alex Rodrigo, Alejandro Bazzano
Roteiro: Esther Martínez Lobato, Álex Pina, David Barrocal, Javier Gómez Santander, Pablo Roa, Fernando Sancristóval
Elenco: Úrsula Corberó, Itziar Ituño, Álvaro Morte, Paco Tous, Pedro Alonso, Alba Flores, Miguel Herrán, Jaime Lorente, Esther Acebo, Enrique Arce, María Pedraza, Darko Peric, Kiti Mánver, Brian Beacock, Anna Gras, Fernando Soto, Mario de la Rosa, Juan Fernández, Clara Alvarado, Fran Morcillo, Miquel García Borda
Duração: 55 a 40 minutos, cada episódio

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