Um leitor que, assim como eu, tenha chegado a Kriminal depois de passar por Diabolik, certamente entenderá as intenções da Editoriale Corno ao publicar algo tão similar ao famoso giallo da Astorina. O sucesso do personagem das irmãs Giussani era alcançado por um misto de histórias de ação, crimes instigantes, disfarces inteligentes e um trabalho fora da caixa em relação à exposição do criminoso, que na verdade protagonizava o título. Esse mesmo leitor, todavia, terá (assim como eu tive) um grande choque a partir de dado momento de sua leitura. E a questão aqui é a seguinte. Se guarda semelhanças com Diabolik na concepção e na exposição de certas habilidades, Kriminal se diferencia muito no código ético e moral aplicado ao seu modus operandi. E isso faz toda a diferença.
Mesmo numa história de apresentação, o roteirista Max Bunker (pseudônimo de Luciano Massimiliano Secchi) mantém o personagem envolto em mistério, agindo nas sombras e sem falas, no início. É só com um pouco mais de tempo que o vemos sem a máscara de esqueleto e apenas no ato final do volume é que descobrimos o seu verdadeiro nome (Anthony Logan) e a sua descendência. Isso explica a motivação por trás dos crimes cometidos nessa trama, alguns deles bem macabros e infames. Descobrimos que este não é o tipo de enredo em que o leitor fica torcendo de fato pelo fora da lei, como nas muitas histórias que adotam a inversão do olhar da justiça em seu núcleo. E o motivo é porque Kriminal não mata apenas quando há necessidade, pelo menos nessa aventura inicial — como disse no parágrafo anterior, esse código que o diferencia de Diabolik ou de qualquer outro anti-herói/”bom-criminoso” do fumetto nero italiano faz toda a diferença em sua concepção e também na recepção do público.
A primeira parte da história não diz muito sobre as habilidades de Kriminal, no sentido de validar toda a pompa jornalística em torno de suas ações. Do meio para o final da edição é que vemos uma porção de coisas que ele é capaz de fazer; algumas delas tendo envelhecido muito mal, para um leitor que as julga décadas depois, mas mesmo assim essas não deixam de ser interessantes dado o contexto. Ao cabo, a vingança de Kriminal é realizada contra todos aqueles que fizeram mal ao seu pai, um dos sócios de uma notável Companhia de petróleo, e agora ele é um homem muito rico, tentando sair da Inglaterra o mais rápido possível.
O leitor não irá encontrar nada verdadeiramente chamativo na arte de Magnus (pseudônimo de Roberto Raviola) aqui, mas o artista consegue alguns bons quadros com personagens em primeiros no decorrer da edição. Mesmo eu já sendo acostumado com a abordagem mais clean (para cenários) vinda de Diabolik, é sempre um desafio acompanhar uma HQ onde a paisagem não tem assim tanta importância, como acontece na maioria das outras ocasiões. Por outro lado, encontramos nessa primeira edição uma grande quantidade de texto (às vezes até mais do que deveria) em praticamente todos os quadros. Um cacoete de 1964, onde deixar apenas a imagem como parte do processo narrativo — ao menos nesse recorte — parecia um “roubo” para o leitor.
Nascido como o “Rei do Crime” (seu colega, O Rei do Terror, só o olhava ameaçadoramente) Kriminal nos traz um tipo de aventura que, mesmo não sendo perfeita, tem o estranho charme do giallo a seu favor e com isso consegue nos prender do começo ao fim, fazendo-nos pedir por mais. E no presente caso, “mais material” é o que não falta, já que a série regular foi cancelada em 1974, dez anos depois de seu início, na edição 419. Uma longa jornada de crimes hediondos.
Kriminal #1: Il Re Del Delitto — Itália, agosto de 1964
Publicação original: Editoriale Corno
Roteiro: Max Bunker (Luciano Massimiliano Secchi)
Arte: Magnus (Roberto Raviola)
Capa: Luigi Corteggi
122 páginas