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Crítica | Kraven, o Caçador

Predando o tempo do público.

por Luiz Santiago
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É preciso admitir que Kraven, o Caçador não é uma bomba atômica ou mesmo o pior filme desse universo Sony para os vilões do aracnídeo da Marvel, como muita gente tem defendido por aí. Na prática, porém, isso não significa muita coisa. Afinal de contas, ele faz parte do conjunto de adaptações que tem Morbius (2022) e Madame Teia (2024) na lista, o que torna seus acertos perceptíveis, visto a ausência de qualidade das produções anteriores do estúdio, mas não é como se estivéssemos diante de um filme agradável e verdadeiramente bem feito. 

Nesta nova adição ao universo do Homem-Aranha sem o Homem-Aranha, J.C. Chandor tenta uma abordagem mais autoral e visceral ao retratar Sergei Kravinoff (Aaron Taylor-Johnson fazendo das tripas coração para dar uma nesga de qualidade ao seu personagem) numa simples e insossa história de origem. O roteiro, que é instável e mantém aqueles diálogos absurdamente ruins que se tornaram o padrão da franquia, explora com destaque a relação complexa Sergei e seu irmão mais novo, Dmitri Kravinoff (Fred Hechinger) com o pai, interpretado por Russell Crowe, que está completamente perdido no filme, tentando construir um personagem mafioso de respeito, mas sendo apagado pelo entorno destoante criado pelo roteiro, que só usa a máfia como um plano de fundo conveniente, sem dar a devida importância para ela, seus planos e sua rede de intrigas.

Tirando os efeitos especiais vergonhosos, o trabalho do diretor J.C. Chandor gera alguns poucos frutos, especialmente quando explora o elemento mais característico do caçador, que é a sua relação com a natureza, seja nos espaços geográficos (com destaque para a flora), seja diante da fauna, que é o maior elo de ligação com o personagem. Já a nuance mística que dá origem aos poderes de Sergei Kravinoff me pareceu uma mistura mal feita entre referências ocidentalizadas (com a presença do tarô e a carta da Força) somadas a pinceladas de cultura africana. Não funcionou para composição de uma fonte interessante de poder, mas o espectador não vê interesse do texto ou da direção em explorar de verdade essa origem, o que nos faz passar por esse aspecto da obra com menor peso, apesar da frustração.

Kraven traz algumas boas cenas violentas, presença dramatúrgica aceitável de boa parte do elenco e uma integração entre partes dramáticas que é compreensível, pois cria a dualidade entre o caçador e as presas humanas. Contudo, parece não haver tempo para dar força a esse lado da trama. O filme tenta fazer de tudo um pouco, mostrando uma intensa missão de abertura, um flashback que explica a origem do protagonista, os novos contatos feitos por ele, envolvendo aí o Rinoceronte (Alessandro Nivola, numa interpretação que sugere algo bacana, mas no fim é só deslocada mesmo) e bandidos inalcançados pela justiça do Estado que precisam ser mortos para pagar pelo que fizeram. O lado anti-heroico do Caçador é firmado exatamente nesse ponto do vigilantismo, e tem até uma nuance crítica, vinda pela presença de Calypso (Ariana DeBose), tudo jogado no mesmo balaio das ideias não desenvolvidas. 

Temos diante de nós um filme com apresentações potencialmente interessantes, embora não estejam entre as mais desejadas pelo público, e uma abordagem que pelo menos tenta entregar alguma coisa atrativa. O peso do estúdio dando caminhos reticentes para o filme (cavando situações futuras desse estranhíssimo universo) é um dos maiores obstáculos em toda a produção, talvez empatado com o roteiro demasiadamente ambicioso, querendo fazer uma aventura clássica de origem num momento em que ninguém mais suporta esse tipo de abordagem em filmes de bonequinho. Um erro conceitual que, diante de toda uma estética e construção pobres, em seu conjunto, nos deixa com mais uma entrada ruim da Sony no flerte com vilões do Teioso. Será que agora o estúdio realmente desiste de continuar com a saga, ou vai abraçar a condição questionável de suas obras e seguir fazendo as sequências? Não seria melhor largar o osso e investir dinheiro em coisas que pudessem gerar filmes heroicos mais palatáveis? Estou sendo ingênuo com a produção em massa de um mercado cultural falido de ideias e carente de qualidade, eu sei disso. Mas às vezes a nossa desesperança é tamanha, que acaba alucinando num pedido de socorro como este.       

Kraven, o Caçador (Kraven the Hunter) — EUA, 2024
Direção: J.C. Chandor
Roteiro: Richard Wenk, Art Marcum, Matt Holloway
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Fred Hechinger, Russell Crowe, Ariana DeBose, Christopher Abbott, Alessandro Nivola, Levi Miller, Chi Lewis-Parry, Billy Barratt, Yuri Kolokolnikov, Jessica Zhou, Michael Shaeffer, Greg Kolpakchi, Duran Fulton Brown, Filiz Fairweather, Murat Seven
Duração: 127 min.

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