Depois de uma rebelião para tomar a coroa e o sucesso da sua primeira campanha, Ei Sei é retratado, neste terceiro arco, inicialmente pelos olhos de Kou, uma moça inocente e modesta que faz parte do harém do palácio, e tem sido chamada constantemente aos aposentos do Rei para… vê-lo ler. Afastando-se da guerra e do épico dos primeiros volumes, o roteiro de Yasuhisa Hara busca o desenvolvimento pessoal de Ei Sei para além da dinâmica com Shin e Karyo Ten, também ausentando-se do seu papel monárquico, importando-se com uma narrativa mais introspectiva e privada do que a abrangência histórica e política dos eventos gigantescos dos arcos anteriores, diminuição do escopo também carregada ao curto tamanho do arco.
Como disse, Escapem de Zhao inicia com um olhar exterior, mais ordinário e místico, das moças do harém em relação à Ei Sei, no qual Hara busca expor algumas tendências sociais chinesas no âmbito da nobreza. O comecinho do sétimo volume me interessou bastante, apesar de não ser desenvolvido em capítulos anteriores, pois, em primeiro lugar, se afasta de Shin – o protagonista sequer aparece no arco -, em uma interessante construção narrativa de Hara, já vista no arco de Keiyou ao retirar grande parte do grupo principal do mote, colocando o desenvolvimento geral de seu “Universo”, a História, a política e as guerras acima de uma narrativa habitual focalizada sempre no mesmo grupo de personagens. Até mesmo trazendo um interessantíssimo núcleo hierárquico das várias garotas do palácio, dando indícios de uma “batalha política do harém”.
Contudo, essa parte fica mais na introdução – torço para que retorne -, pois o curto terceiro arco assume como trama principal a história de origem de Ei Sei, a trágica jornada de como um filho bastardo chegou ao Império de Qin. Apesar de ser uma proposta diferente da que imaginei, Hara enriquece o contexto histórico, especialmente no campo de consequência das guerras, culturalmente e socialmente, ao trazer à tona a Batalha de Chouhei, baseada na Batalha de Changping (260 A.C.), no qual Qin institui um horrendo massacre ao seu estado inimigo Zhao, enterrando mais de 400.000 mil soldados inimigos vivos.
Ainda mantendo a guerra em evidência, mas diferentemente do aspecto político de A Rebelião de Sei Kyou, ou do campo de batalha de Keiyou, mais objetivamente sobre o combate, até romantizando o papel do General em certa medida, o flashback joga luz sobre as consequências da guerra na hereditariedade, um ciclo contínuo de ódio entre a nação derrotada de Zhao em relação à Qin. Raiva comunitária esta lançada na direção de uma criança que nada teve a ver com estes eventos horrorosos. Obviamente que o jovenzinho torturado é Ei Sei, um bastardo do Rei de Qin, tendo sua identidade amplamente conhecida na sociedade de Zhao, resultando na tortura do menino nas mãos de homens que buscam alguma forma de retaliação, e também na prostituição da mãe, sequer apresentada no arco, mas subjetivamente trágica da mesma maneira.
A narrativa de fuga toma a frente do arco quando um grupo de Qin, juntamente com um trio de contrabandistas liderados pela carismática Shi Ka, querem salvar o menino abandonado em Zhao para que assuma sua posição de direito na linhagem real. Daí em diante, os poucos capítulos assumem o relacionamento quase maternal entre Shi Ka e Ei Sei, no qual a contrabandista quer salvar o jovem de seus traumas físicos e psicológicos, em um belíssima história sobre salvar o infantil da desgraça proporcionada pelo direcionamento errado do ódio.
Hara faz um belo retrato do psicológico quebrado de Ei Sei, confundindo realidade com pesadelo na arte com um teor de horror clássico, sempre cercado por monstros imaginários baseados nos mortos de Chouhei, criados pela culpa do personagem que nunca teve um papel no genocídio. Além disso, o autor tece lindas ilustrações nos momentos íntimos entre Ei Sei e Shi Ka, especialmente em uma cena que ela explica o significado da Lua para o menino, e os traços faciais, principalmente nos olhares, transpõem com sutileza a transição entre o estado torturado e pueril do príncipe.
Por fim, acho o desenrolar da fuga mal construído no sentido que a narrativa escapista é pouco desenvolvida pelo roteiro, e todo o arco em si é bastante corrido, além de que a dosagem de humor, que vem sendo o calcanhar de Aquiles do mangaká em vários momentos, quebra a imersão e o tom melancólico da narrativa em determinadas sequências. Dito isso, o terceiro arco de Kingdom proporciona mais um enredo dessemelhante do que veio anteriormente, na ótima contínua fuga estrutural de Hara. Escapem de Zhao é uma história sinistra sobre os efeitos do rancor, mas igualmente bela no campo da empatia. Kingdom segue sendo um interessante mangá histórico em torno de narrativas particulares.
Kingdom – Vols. 7 e 8: Escapem de Zhao (キングダム, Kingudamu, Kingdom – Vols. 7-8: Escape from Zhao Arc) – Japão, 2008
Contendo: Capítulos #74 a 81
Roteiro: Yasuhisa Hara
Arte: Yasuhisa Hara
Editora: Shueisha
Revista: Weekly Young Jump
195 páginas