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Crítica | Karatê Kid – A Hora da Verdade

por Gabriel Carvalho
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“Se procura se vingar, comece cavando duas sepulturas.”

O sentimento de não pertencimento pode acarretar a solidão. O jovem Daniel Larusso (Ralph Macchio), na trama de Karatê Kid, é apresentado durante sua mudança, de uma cidade para outra. Um garoto em um ambiente novo, consequentemente, hostil. Quando olhamos para o personagem de Ralph Macchio, não estamos falando de um menino cheio de amigos, contudo, muito menos de um jovem solitário. Para um filme com uma temática mais adolescente, situado nos anos 80, é curioso notar que nada do cerne da obra tem a ver com coletividade, seja uma alcateia inteira de “nerds”, o amor de todo o colégio, ou um simples trio de “bobalhões”. A busca é completamente outra. Os vilões estão no coletivo – o herói, quase que no singular, perto de poucas pessoas, que muito pouco se cruzam, autenticando cada uma das relações, tanto a amorosa quanto as puramente afetivas. O grupo não existe, apenas o protagonista fomentando relações e tentando ganhar espaço. Daniel Larusso não quer tornar-se amado, popular; não quer conquistar a garota dos seus sonhos, cercada de inúmeras patricinhas, como aconteceria em outros casos. A ambição do menino é apenas ser deixado em paz, seu espaço de direito – ser esquecido pelas pessoas que o provoca por razões impossíveis de serem determinadas. Uma oposição até unidimensional – a própria cor dos quimonos, pretos e brancos, contribui para isso -, mas Karatê Kid não é como outros trabalhos contemporâneos.

O protagonista de Karatê Kid – A Hora da Verdade constrói rapidamente sua conexão, em níveis amorosos, com “a garota”; uma paixão que acaba colocando-o de frente a estudantes do Cobra Kai, os rivais a serem derrotados. A personagem Ali Mills (Elizabeth Shue) é uma conquista “fácil”, não sendo algo a ser alcançado, embora o começo do relacionamento seja muito menos orgânico que o desenvolvimento. A ida ao parque, por exemplo, é a prova de química, espirituosidade, que reside no longa-metragem e nesse namoro, igualmente a prova do interesse da garota, uma menina rica, por Daniel, um menino pobre. O que poderia ser um espaço para o tratamento desse contraste entre os personagens, no entanto, morre por ali. Já a personagem Lucille (Randee Heller) é simplesmente uma mãe de filmes dos anos 80, sem um aprofundamento. John G. Avildsen sabe trabalhar o aspecto teen da produção, mesmo que a sua direção esteja mais interessada no caráter individual de Larruso, muito além da identidade imposta pela época em que nasceu. A cultura popular vigente, presente pelas músicas, não é excluída, porém, o protagonista encontra nas artes marciais, vindas do outro lado do mundo e de um tempo longínquo, objeto para estudo e admiração. Um paralelo bem construído do caratê com a trivialidade de ações mundanas, como pintar paredes, é criado, aproximando o público dos ensinamentos a serem feitos. A obra torna-se extremamente acessível.

O enfoque em trocas mais simples, diálogos – sem mil cabeças esperneando o que quer que queiram espernear – como nos momentos em que Daniel conversa com o seu treinador, garante passagens, do velho para o jovem, interessantíssimas. O conhecimento antigo – item de busca do jovem Larruso – é passado adiante, notando-se um aprendizado por parte do garoto, que antes estava muito mais interessado em vingança do que em qualquer outra coisa. A criação de um torneio, na narrativa, é uma saída imediata para que os bullies sumam do cenário deste personagem. O treinamento de Daniel começa, ao passo que somos cada vez mais aprofundados no icônico Senhor Miyagi, personagem construído não apenas pelo roteiro, mas pela performance marcante de Pat Morita. Ao relembrar do passado do marcante ícone que representa, em cena emocionante, o ator nos concede uma interpretação mais contida. O embriagado velho é colocado para dormir por seu amado gafanhoto em um momento que denota imensa sensibilidade. A profunda interação entre mestre e discípulo, em outra situação, é mais evidente, justamente no aniversário de Larusso. Os personagens fazem questão de estarem juntos neste momento de celebração. A criação desta amizade é extremamente verdadeira ao ponto que o próprio filme faz questão de encerrar-se justamente com o olhar de aprovação do mestre pelo seu discípulo. O “consegui” não existe, mas o “conseguimos”.

Um filme também sobre artes marciais, quesito importante para a avaliação da – acertada – execução das poucas cenas de lutas da obra. Os combates são transportados para o público, embora de uma maneira mais modesta se comparada com a de Rocky – Um Lutador. Os significados, em contrapartida, inexistem. O mestre repete a todo instante o papel do caratê como algo além da superfície; algo que vem de dentro para fora, não de fora para dentro. A vingança é a jornada, assim permanecendo no coração do espectador. O anseio pela derrota de Johnny (William Zabka) deveria ser algo, teoricamente, rapidamente conquistado pela direção, mas o abuso de uma simplicidade neste personagem, que, assim como todos os outros membros do dojo, é unicamente odiável, causou uma espécie de reversão no papel de antagonista e protagonista. O todo simpático e charmoso Daniel San, embora sem nenhuma performance mais encorpadatorna-se o antagonista de seu próprio filme, enquanto Johnny é, para muitos, o verdadeiro herói. O extremismo antagônico é perceptível, não sendo o roteiro de Robert Mark Kamen um dos melhores exemplares para construção de antagonistas, ao menos compreensíveis. Se “mentira se torna verdade só se alguém quiser acreditar”, como um certo mestre nos ensinou, parece que temos um culto quase religioso ou standup cômico, visto que, embora em uma linha meio errônea de resolução de problemas, os heróis são meio óbvios.

Karatê Kid – A Hora da Verdade (The Karate Kid) – EUA, 1984
Direção: John G. Avildsen
Roteiro: Robert Mark Kamen
Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Elisabeth Shue, Martin Kove, Randee Heller, William Zabka, Chad McQueen, Tony O’Dell, Ron Thomas, Rob Garrison
Duração: 126 min.

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