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Crítica | Kamen Rider (1971) – 1X01: O Misterioso Homem Aranha

O estranho gafanhoto motoqueiro.

por Ritter Fan
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna semanal dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 1
Número de episódios: 98
Período de exibição: 03 de abril de 1971 a 10 de fevereiro de 1973
Há continuação ou reboot?: Sim. Foi sucedida por mais de 30 séries, especiais televisivos e longas-metragens que continuam sendo lançados até hoje em dia.

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Peço vênia para começar a crítica de hoje com uma abordagem de cunho pessoal: para mim, séries japonesas live-action de super-heróis, que caem debaixo do amplo guarda-chuva denominado tokusatsu, eram limitadas a Spectreman e Ultraman, com pitadas de Robô Gigante, basicamente o que havia disponível na televisão aberta brasileira em priscas eras. Se havia mais, eu ignorei e continuo ignorando completamente, assim como todo o dilúvio que veio torrencialmente a partir dos anos 80 e que continua até hoje com toda força, por não ter o menor interesse em revirar mais esse baú infinito de conteúdo (já tenho diversos outros desses para revirar…). No entanto, em um de meus Planos Pilotos sobre Ultraman, um leitor assíduo com quem bato altos papos edificantes e educativos na seção de comentários me sugeriu assistir Kamen Rider Black Sun, série recente disponibilizada em streaming por aqui. Quando perguntei se eu precisava ter conhecimento anterior sobre a franquia, ele me garantiu que não, que era perfeitamente possível seguir em frente completamente zerado.

Apesar de eu acreditar piamente nesse leitor, minha curiosidade falou mais alto e, antes de eu me aventurar pela série por ele indicada, resolvi desbravar um pouco o tal baú, somente para descobrir que, assim como Ultraman, Kamen Rider existe na mesma quantidade que há gafanhotos no mundo (sim, sim, é uma referência!) e que a primeira série é de 1971, contemporânea a O Regresso de Ultraman. Apesar de saber que eu estava arrumando sarna para me coçar, resolvi encarar o piloto da série original para no mínimo me situar sobre a gênese desse personagem insetoide tão estranho que já tinha visto aqui e ali em versões diferentes, inclusive na crítica de Kamen Rider Build escrita por meu ex-colega de site Giba Hoffman.

E eis que, apesar de todos os pesares, confesso que me surpreendi positivamente com o que vi. Mesmo que, em linhas gerais, O Misterioso Homem Aranha, episódio piloto da série original de Kamen Rider, não se diferencie tanto de outros episódios de origem desses super-heróis nipônicos, mantendo a estrutura básica de “humano corajoso se transforma em um super-ser uniformizado para estapear monstros” e sendo igualmente problemático, a criação do mangaká Shotaro Ishinomori tem aspectos variados e surpreendentes que me fizeram por diversas vezes levantar a sobrancelha em demonstrações de curiosidade legítima.

Para começo de conversa, a abordagem do piloto é sombria, quase macabra, com um vilão imediato – o tal “Homem Aranha” – realmente estranho e até um pouco assustador, que conta com um suprimento infinito de capangas de rosto pintado que sem dúvida resvalam no ridículo, mas que, mais do que isso, abraçam o bizarro. O vilão mediato, ou seja, aquele que está por trás de tudo, não vem do espaço, mas sim aqui da Terra mesmo e é uma organização terrorista e não uma figura única. Batizada de Shocker, ela tem como objetivo a dominação mundial por meio da transformação de humanos altamente inteligentes e com habilidades atléticas em ciborgues sob seu comando que se infiltram na sociedade, em um conceito “Candidato da Manchúria” que no mínimo intriga.

Além disso, o próprio design do Kamen Rider – no caso o estudante genial e motociclista Takeshi Hongo, vivido por Hiroshi Fujioka, que é sequestrado e “ciborguizado” pela Shocker, mas fugindo com a ajuda do professor Hiroshi Midorikawa (Kiyoshi Nonomura) antes de sofrer lavagem cerebral -, uma mistura de T-Bird com gafanhoto, com direito a uma moto tunada que, juntamente com seu capacete, aparecem absolutamente do nada, é curioso e, diria até, bastante original, fugindo da pegada mais alienígena padrão da época e aproximando-se, mas não muito, dos super-heróis ocidentais. Até mesmo as coreografias de luta se diferenciam completamente do que era mais comum da época, com um trabalho de câmera quase surreal na forma como lida com as coreografias e os efeitos especiais e o uso de efeitos sonoros que vão além dos “tabefes de mão aberta”.

É uma pena, porém, que o roteiro de Masaru Igami seja tão desconjuntado, não que isso seja uma surpresa, claro. No lugar de cuidar de contar uma história de origem cadenciada, prezando pela lógica interna, o episódio acelera as movimentações de suas peças a ponto de se desagregar quase que completamente. Detalhes como de onde vieram a moto e o capacete irritam, assim como a função do “Homem Aranha”, que parece existir apenas para que seja possível dizer que Kamen Rider luta contra um monstro. Não há contexto para nada, não há explicações mínimas que criem uma cola narrativa decente. Por exemplo, aprendemos que a Shocker só quer vítimas altamente inteligentes e atléticas e o roteiro chega a dizer que Hongo tem 600 pontos de Q.I. (!!!), mas, ainda que a exigência do atletismo seja justificável, o da inteligência é ignorado completamente e não influencia em nada a história. Da mesma maneira, Tobei Tachibana (Akiji Kobayashi), apresentado como uma espécie de mentor de Hongo em relação à sua aptidão com motos, parece completamente jogado na história a ponto de ser até difícil entender qual é seu papel exatamente.

Se tivesse havido um capricho mínimo no roteiro, O Misterioso Homem Aranha poderia ser um baita início para a série. Do jeito que ficou, ele é, apenas, uma mais do que apenas interessante curiosidade que oferece um cardápio de elementos sombrios, bizarros e surreais que prendem suficientemente a atenção de forma que seus evidentes problemas possam ser momentaneamente esquecidos. Seja como for, quando os 20 e poucos minutos do piloto acabaram, peguei-me pensando se não seria interessante eu assistir os episódios seguintes. Podem ter certeza de que isso vindo de alguém com conhecimento mais do que limitado sobre esse gênero audiovisual e que passou décadas propositalmente se desviando delas é um baita elogio.

Kamen Rider – 1X01: O Misterioso Homem Aranha / The Eerie Man Spider (仮面ライダー Kamen Raidā – Japão, 03 de abril de 1971)
Criação: Shotaro Ishinomori
Direção: Koichi Takemoto
Roteiro: Masaru Igami
Elenco: Hiroshi Fujioka, Akiji Kobayashi, Chieko Morigawa, Yōko Shimada, Gorō Naya, Shinji Nakae, Ryūji Saikachi, Kiyoshi Nonomura
Duração: 25 min.

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