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Crítica | Justified – 2ª Temporada

A guerra dos clãs.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas da série e, aqui, de todo o material envolvendo o personagem Raylan Givens.

Apesar de não se poder dizer que a primeira temporada de Justified demorou a se encontrar, não seria injusto afirmar que ela mostra um pouco de hesitação em realmente usar o potencial que tem ao lidar com seus vilões, notadamente os membros da família Crowder e ao trafegar com frequência entre os episódios soltos e os que narram a história principal, estranhamente não chegando a fechar completamente seu arco narrativo. No entanto, toda e qualquer reticência nesses dois sentidos é eliminada por completo na mais do que impressionante segunda temporada da série, em que mais uma família caipira com passado entrelaçado com o de Raylan Givens (Timothy Olyphant) – o clã Bennett – é magistralmente introduzido, desenvolvido e utilizado em toda sua gloriosa plenitude.

O primeiro episódio da segunda temporada, no entanto, além de fazer essa mencionada introdução, precisa primeiro lidar com o encerramento da temporada inaugural, uma escolha narrativa estranha, mas que cuja culpa, para mim, fica com o primeiro ano da série, até porque tudo é feito muito celeremente, sem realmente ocupar espaço desse início, com Boyd Crowder (Walton Goggins) caçando a pistoleira sobrevivente da máfia de Miami, Raylan o impedindo de matá-la e, depois, o subdelegado, com a ajuda de seu ex-chefe da Flórida, estabelecendo um “acordo” como o poderoso chefão daquelas paragens. Com isso para trás, ainda há tempo para as apresentações apropriadas do clã Bennett, a matriarca Mags (Margo Martindale), dona de uma loja de conveniência caindo aos pedaços que é fachada para seu negócio de plantação e venda de maconha, e seus filhos Doyle (Joseph Lyle Taylor), o mais velho e xerife do condado que leva o nome do clã, Dickie (Jeremy Davies), o filho do meio invejoso e cheio de planos escusos (e impensados) que manca de uma das pernas em razão de uma tacada de beisebol que recebeu de ninguém menos do que Raylan e, finalmente, Coover (Brad William Henke), o mais novo e especialista em cannabis sativa, mas, de outra forma, não mais do que um mondrongo violento.

Como acontece com o clã Crowder, aquela aparência arquetípica dos americanos interioranos que vemos em filmes como Amargo Pesadelo impera, mas, também assim como com os Crowders, essa aparência é enganosa, não mais do que a mera superfície e eles, no conjunto, especialmente (ou, talvez, unicamente) graças à malemolente Mags, são muito mais inteligentes e ameaçadores do que se imagina. Pode até parecer que o novo clã é um mero bis in idem em relação ao clã Crowder, mas, na verdade, considerando que a série se passa em um território composto por diversos condados contíguos no Kentucky, a presença de diversas famílias rivais – pois os Bennetts, os Crowders e os Givens historicamente não se dão – é perfeitamente aceitável e, mais do que isso, lógica. Além disso, os catalisadores macro e micro que colocam a família Bennett em destaque na temporada são bem diferentes do foco quase exclusivo em Boyd no ano anterior.

No micro, a linha narrativa dos Bennetts lida com o assassinato, por eles, do pai da jovem Loretta McCready (Kaitlyn Dever) e sua subsequente adoção – para todos os efeitos práticos – por Mags. É uma história perversa, daquelas de dar asco, pois o que a matriarca quer é transformar Loretta em seu brinquedo, na filha que acha que sempre quis ter, passando a pentear seus cabelos e a enfeitá-la como se uma boneca fosse, sem sequer dizer o que aconteceu com o pai, enquanto a garota, inteligente, começa a desconfiar de algo podre. No macro, a história lida com uma toda-poderosa empresa mineradora de carvão que envia Carol Johnson (Rebecca Creskoff) para expandir os negócios na região, o que Mags recebe com um verniz externo de afronta, mas que, pessoalmente, faz de tudo para aproveitar-se da situação e garantir muito dinheiro para sua família. As duas narrativas paralelas envolvem, claro, Raylan Givens que primeiro protege a jovem de um pedófilo empregado por Mags, criando uma conexão com a menina e, depois, ao passar a servir de guarda-costas para Carol. Boyd Crowder, que também passa a trabalhar para Carol, lida com o restante de sua força de vontade de sair da vida de crime, o que não resiste por muito tempo, para seu desespero resignado, o que, no processo, acaba tragando Ava (Joelle Carter) e Arlo (Raymond J. Barry) para esse caminho sombrio, com consequências trágicas para Helen (Linda Gehringer).

Apesar de haver episódios que podemos classificar como soltos, de “caso da semana”, a presença deles é bem menos sentida do que na temporada inaugural, servindo muito mais para lembrar o espectador de que o serviço de delegado federal vai além de brigas entre clãs locais do que para qualquer outra coisa. Além disso, há uma interessante subtrama envolvendo Winona (Natalie Zea), agora separada, mas não divorciada de Gary (William Ragsdale), continuando seu caso com o ex-marido Raylan que, de supetão, ao ver uma bolsa de dinheiro esquecida nos arquivos dos delegados federais, a furta, o que leva a toda a sorte de problemas para ela e para Raylan que, ao final, converge em uma quieta, mas relevante quebra de confiança de Art Mullen (Nick Searcy) em relação aos dois. O que realmente impressiona é como tudo é magistralmente costurado ao longo dos 13 episódios e como o arco principal, envolvendo os Bennetts, ganha um fim poderoso e perfeitamente cíclico.

Mas, para além da qualidade da produção em si, não há como deixar de falar na continuada qualidade das atuações de Timothy Olyphant e Walton Goggins nos papeis opostos principais, o primeiro trazendo um cinismo misturado com melancolia e humor que imediatamente torna seu personagem inesquecível e o segundo uma inteligência ímpar, com elementos de maquiavelismo e respeito pelo ex-amigo que encantam. No entanto, mesmo considerando os dois, quem realmente merece destaque especial na temporada são Margo Martindale como Mags e Jeremy Davies como Dickie. Do sotaque às feições do rosto e posturas corporais, os dois simplesmente mastigam os cenários quando aparecem, transformando seus personagens em uma amálgama de um estranho amor familial que tem contornos genuínos, com sentimentos pesados de cobiça, desdém, inveja, dor e pura maldade. São dois personagens que não deixam nada a dever em termos de complexidade a Raylan e Boyd, por vezes até sendo mais marcantes, provavelmente, no caso de Mags especialmente, o ponto alto vilanesco de toda a série.

Depois de começar já muito bem em seu primeiro ano, Graham Yost, com mais confiança no material que tem, tira completamente os freios de Justified e entrega um primor de segunda temporada que faz excelente uso de seu elenco e premissas, além de introduzir antagonistas novos absolutamente inesquecíveis que ganham arcos memoráveis. Poucas séries de faroeste conseguem chegar a esse nível de qualidade, mas o neo-western baseado nas obras literárias de Elmore Leonard mostra que não há segredo quando há roteiros sólidos combinados com atuações de se tirar o chapéu Stetson.

Justified – 2ª Temporada (EUA, de 09 de fevereiro a 04 de maio de 2011)
Criação e desenvolvimento: Graham Yost (baseado em obras de Elmore Leonard)
Direção: Adam Arkin, Jon Avnet, Peter Werner, John Dahl, Michael Watkins, Tony Goldwyn, John David Coles, Michael Dinner
Roteiro: Graham Yost, Benjamin Cavell, Dave Andron, Wendy Calhoun, Taylor Elmore, Chris Provenzano, Fred Golan
Elenco: Timothy Olyphant, Nick Searcy, Joelle Carter, Jacob Pitts, Erica Tazel, Natalie Zea, Walton Goggins, Jeremy Davies, Joseph Lyle Taylor, Margo Martindale, Kaitlyn Dever, Brad William Henke, Peter Murnik, Raymond J. Barry, William Ragsdale, Linda Gehringer, David Meunier, Kevin Rankin, Rebecca Creskoff, William Gregory Lee, Jere Burns, Damon Herriman, Jonathan Kowalsky, Richard Speight Jr., Abby Miller, Jim Beaver, Steven Flynn, James LeGros, Stephen Root
Duração: 556 min. (13 episódios)

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