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Crítica | Jerry Desapareceu (Júlia Kendall #6)

por Luiz Santiago
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Nas primeiras páginas de Jerry Desapareceu eu pensei comigo mesmo que Giancarlo Berardi havia gostado tanto de escrever Os Reféns, que resolveu construir uma espécie de derivação daquele crime, agora com foco direto em um caso de desaparecimento que evolui para um crime de sequestro. O avanço da leitura, no entanto, me levou para um outro lugar, um drama muito mais intimista e que se desenvolve sem nenhum padrão lógico aparecer para a polícia ou para Júlia Kendall, até que algo acontece e a criminóloga junta as pontas, revelando-nos a verdade sobre o infame crime.

Esta foi a primeira aventura da série em que eu senti um pouco mais de distanciamento do autor em relação aos meios burocráticos de resolução do caso. Melhor dizendo: o fato de não termos um grande ato de violência já nas primeiras páginas faz com que o enredo se desenrole com foco nos sentimentos e nas atitudes dos personagens, colocando os investigadores em contato com um número maior de pessoas e, com isso, adicionando um elemento de humanidade bem mais aberto e interessante, engrossando a lista de suspeitos e de possibilidades para o crime. Cenas na periferia e indivíduos em distintas atividades e com diferentes históricos (coisas que vão de violência doméstica e acusação de pedofilia até papo de cabeleireiro) também fazem parte da história, o que reforça a aparência de “familiaridade”.

O menino Jerry do título desaparece do Parque de Garden City, em uma tarde ensolarada. Sua mãe Susan torna-se uma personagem central na história e a cada novo bloco temos uma impressão diferente dessa mulher, tanto pela forma como Marco Soldi decidiu colocá-la no quadro (a angulação é bem importante aqui), quanto pelo tipo de resposta ou encadeamento de conversa que vindos dela. O roteiro, no entanto, acena para os mais diferentes suspeitos sem dar muitas voltas ou forçar situações. A ligação entre personagens é perfeitamente aceitável e cada comportamento, no que diz respeito aos motivos, também. Eis o que torna o caso instigante e paulatinamente amedrontador, uma vez que não sabemos qual dessas pessoas é mesmo culpada (e se é, de fato, uma delas) e o que fizeram ou estão fazendo com o menino.

Sempre que eu leio uma história de Júlia me vem à mente aqueles casos horrendos de crimes que passam nos telejornais pinga-sangue aqui no Brasil. A própria aplicação do conceito de “banalidade do mal” se torna clichê nessas ocasiões, justamente pela grande quantidade em que esses horrores acontecem e pelos motivos mais estúpidos possíveis. Não que haja um motivo justificável para que uma pessoa cometa um crime contra alguém inocente, mas quanto mais banal for o motivo e menor for a idade da vítima, pior a ação se torna aos olhos da sociedade.

Esta é a sensação que nos toma ao final de Jerry Desapareceu. Uma mistura de ódio, nojo e pesar compõem a conclusão do caso e carregam a nota de banalidade que sombreia ainda mais o crime, se é que isso é possível. O tipo de ato que não deve deixar ninguém “acostumado” com ele, mas no mundo em que vivemos (e notem que esta história é de 1999!) cada vez mais caímos nesse barranco. É tanta tragédia, tantos atos vis, em tantos lugares e tão continuamente, que de certa forma ficamos anestesiados diante das novas notícias sanguinárias. Manter a sensibilidade diante disso (que é a proposta de Júlia para Webb) é a coisa mais difícil e mais essencial a se fazer.

Julia – Le avventure di una criminologa #6: Jerry è sparito (Itália, março de 1999)
Roteiro: Giancarlo Berardi
Arte: Marco Soldi
Capa: Marco Soldi
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil:
Editora Mythos, 2005 e 2020
130 páginas

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