Fazer justiça com as próprias mãos é uma das tomadas de decisão mais desesperadas que existem. E é em torno desse tipo de ação que mais esta Aventura de Uma Criminóloga se ergue, quando Júlia Kendall cria o perfil de um dinamitador que está aterrorizando Garden City com bombas plantadas em diversos lugares, tudo parte de um plano para chamar a atenção da polícia e se vingar de uma injustiça que fizeram com ele anos atrás. Todavia, como é de praxe nesta série, outras questões psicológicas, emocionais, sociais e culturais acabam vindo à tona, tanto dentro da força policial, quanto fora dela.
O texto aqui é de Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero, que tentam colocar Júlia em uma “vida mais ou menos normal” após a conclusão do caso de Myrna Harrod, em Na Mente do Monstro. Essa normalidade, no entanto, é apenas um passageiro estado das coisas, que se quebra inicialmente dentro de um protocolo social — Júlia lutando para fugir do assédio de ser conhecida, principalmente pelo fato de ter uma série de TV baseada em sua carreira — e depois quando o primeiro ataque acontece, fixando todas as bases dessa história.
Dessa vez, os autores chamam a nossa atenção para a construção do perfil completo do criminoso. A maneira como Júlia forma o “retrato” do indivíduo é incrível, buscando referências em todos os lugares para dar conta de uma visão geral de comportamento e aparência, um ponto de partida diante do qual a polícia precisa trabalhar. Ocorre que, desta vez, a polícia é a anunciada “causadora dos males” do perturbado serial bomber, e esse preço é cobrado à medida que nos aproximamos do final da edição.
Embora eu não goste muito da arte de Pietro Dall’Agnol aqui, devo destacar a ótima representação do desespero e dinâmica de fuga que ele desenha para os personagens no primeiro ataque. Há muita gente em cena e perigos por todos os lados, o que torna esse momento o mais cinematográfico da one-shot. Nas outras explosões, o efeito maior é conseguido pela descrição dos horrores causados pela bomba, o que nos toca profundamente, já que estamos falando de pessoas inocentes sendo punidas por alguém que um dia também sofreu uma injustiça e resolveu chamar a atenção de seus algozes da pior maneira possível. O curioso disso tudo é a ironia que o caso traz, sendo o papel importantíssimo de Júlia diminuído pela imprensa e pela própria polícia, em detrimento de outro evento (meio corrido) que toma parte no fim da trama.
A pequena correria do roteiro para juntar diversos personagens num único “espaço final” atrapalha um pouco a história, mas não a ponto de estragar o argumento. Em compensação, todas as janelas narrativas são fechadas e a sensação de raiva frente a algumas injustiças sociais, crimes e desequilíbrio de alguém que já sofreu muito por negligência de empresas ou de divisões do Estado, traz uma grande reflexão sobre o tipo de monstro que o nosso meio social — ou os constantes crimes das instituições contra alguns cidadãos — podem engatilhar ou, em casos extremos, transformar alguém por completo. Como era de se esperar, o resultado é o pior possível… para todo mundo.
Julia – Le avventure di una criminologa #4: Diluvio di Fuoco (Itália, janeiro de 1999)
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Mythos, 2005
Roteiro: Giancarlo Berardi, Maurizio Mantero
Arte: Pietro Dall’Agnol
Capa: Marco Soldi
Tradução: Júlio Schneider
132 páginas