Giancarlo Berardi concebeu Quem é Christine? como uma aventura que deveria surpreender o leitor em um processo investigativo que, o tempo inteiro, parece fugir das pistas e daquilo que importa questionar a fim de que o caso seja resolvido. Até este momento da série, não me lembro de ler uma edição que fosse tão fortemente ancorada em quebras de linhas dramáticas por parte do autor, que aqui não explora apenas um crime, mas também algumas questões da vida pessoal de Júlia Kendall. Ou melhor, do avô dela. Isso dá um tom familiar que não é muito recorrente na série, porém, toda vez que aparece com algum tipo de força, equilibra o peso deixado pelas atrocidades e pelas questões detetivescas, adicionando humanidade, calor e “intrigas normais” ao enredo, aproximando-nos dele por identificação.
Essa dose de normalidade pode ser usada tanto para afastar os leitores de coisas muito trágicas (não é exatamente o caso aqui), quanto para ajudar a compor uma história cuja temática casa com as tais “questões de família“. E notem que não é apenas o caso extraconjugal do avô de Júlia que entra nessa análise. Emily fica doente — primeiro de gripe, depois de sarampo — e passa todo o período de recuperação na casa de Júlia, ou seja, mais um elemento de aproximação entre as pessoas a ser considerado. E tudo começa com um pedido de um pai desesperado, o pai de Christine, para que a criminóloga encontre a jovem, que cortou laços com a família há algum tempo. A intriga é erguida de forma inteligente pelo autor. Primeiro, parece que não é nada importante, mas em pouco tempo as coisas começam a escalar e percebemos que a quantidade de bandidos atrás dessa garota é muito maior do que se esperava.
Leo Baxter também está envolvido aqui. Gosto muito do personagem, porque ele reforça as hilárias brigas entre Júlia e Webb, e não raramente traz mais perigo e protagoniza boas cenas de ação, algo que a arte de Laura Zuccheri (cuja última contribuição para a série foi no volume 18, Voltando Para Casa) consegue transmitir bem. Sobre as brigas entre Júlia e Webb, devo dizer que até agora, não teve um momento em que achei essas cenas vergonhosas, exageradas ou desnecessárias. Há sempre um contexto coerente para elas acontecerem e para o conteúdo que as constituiu. Evidente que podem alcançar outras áreas da relação entre o policial e a professora, mas sempre há um fato orgânico do volume para dar início às contendas, validando as brigas como elementos legítimos daquele texto.
O caso aqui se desenvolve num ritmo que intriga o leitor porque muitas personagens não são quem dizem ser. Essa dúvida sobre as identidades torna tudo um grande enigma, inclusive no que diz respeito às relações entre as vítimas e as mulheres procuradas por mafiosos ou mesmo pela polícia. Entre visitas, atentados e questionamentos, Júlia cuida da saúde de Emily, faz uma visita à avó e entra em um momento existencialista, refletindo sobre relações familiares, sobre o casamento e sobre o segredo de seu avô. A dúvida sobre as identidades volta como o principal gancho dramático do desfecho. O autor faz um bom encerramento, mas eu preferiria que o roteiro apresentasse muito mais de Júlia analisando a personalidade de “Christine” (e das outras mulheres envolvidas) e muito menos de textos reflexivos da criminóloga, escritos em seu diário. Não é algo que diminui torrencialmente a qualidade do caso, mas parece que temos um salto de acontecimentos — especialmente no final — dando a impressão de que faltam cenas e justificativas para algumas coisas. A menor exposição das habilidades analíticas de Júlia é, certamente, a maior responsável por isso. E algo que não esperávamos acaba dando o tom do encerramento da história: a revelação da última identidade em uma ambiente que, em tudo, traz paz. Até que fim.
Júlia Kendall – Vol. 25: Quem é Christine? (Chi è Christine?) — Itália, outubro de 2000
No Brasil: Mythos Editora, 2006 e 2021
Roteiro: Giancarlo Berardi
Arte: Laura Zuccheri
Capa: Marco Soldi
130 páginas