Missões de resgate são emocionalmente massacrantes. Às vezes nos deparamos com algumas dessas em nosso cotidiano, através da televisão ou de outros meios de comunicação, dando conta de alguém que caiu em um poço, ou que foi soterrado pelo deslizamento de uma caverna, que teve um barco naufragado no mar ou que se perdeu numa trilha. As possibilidades são muitas. Há também situações de resgate mais intensas, não apenas pelo caráter de perigo imediato, mas pelas coisas que envolvem ou causam esse perigo. Este é o caso de Horas Suspensas, onde Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo e Maurizio Mantero (esses outros autores da série entravam na escrita dos roteiros porque Berardi atrasava a finalização do texto ou era algo inicialmente previsto como uma escrita coletiva? Alguém sabe dessa fofoca de bastidores?) colocam Dave Moran no parapeito de um prédio, cabendo a Júlia Kendall iniciar o processo de resgate desse homem e a investigação das causas que o levaram a esta atitude.
Histórias desse tipo (ou seja, com configuração de “missão de regate“) conseguem nos engajar de forma rápida e dificilmente nos fazem perder o interesse pelo que se narra. Situações desse tipo são sempre chamarizes de atenção e, na ficção — mesmo quando baseada em fatos –, vem constantemente acompanhada de blocos de contexto ou cenas paralelas de investigação sobre como e por quê toda a crise começou. O escopo de abordagem para o gênero é tão grande, que vão de obras como A Montanha dos 7 Abutres (com um fantástico subtexto sobre o jornalismo vil e predatório) até abordagens como as de Argo ou até mesmo Perdido em Marte. A forma de trabalhar esse tipo de tema é, portanto, extremamente ampla e cabe uma porção de caminhos investigativos ou de criação de situações para que a pessoa em perigo seja salva. Em Horas Suspensas, a tensão de ver um homem no parapeito de um prédio é somada ao fato de ele parecer estar decidido a cometer suicídio — embora sua confusão mental tenha atrasado a execução do plano — e ao fato de ele ter envolvimento com uma família da máfia italiana: os Malachia.
O que eu gostei bastante desse enredo foi o fato de haver muito mais profundidade na construção das motivações para a atitude de Moran, e tanto atitudes familiares e pessoais, quanto “profissionais”. Confesso que senti falta de um verdadeiro perfil psicológico do personagem, mas os caminhos que Júlia, a equipe de policiais e Leo Baxter percorrem aqui, ajudam a suprir essa ausência com diferentes momentos de ação (a visita à casa dos Malachia é o ponto algo disso). O texto começa focando no local onde Moran está. A multidão, ávida por tragédia, se amontoa em frente ao prédio. A imprensa aparece e oficializa o espetáculo. Enquanto isso, diversas tentativas de impedir que o homem se jogue são executadas, mas nenhuma delas surte efeito. A partir dessa situação é que entra o trabalho da criminóloga, colhendo informações para tentar convencer Moran a não se suicidar. E é nesse ponto da investigação que as muitas tensões na vida do homem aparecem, ou seja, descobrimos aquilo que, de alguma forma, o “forçou” àquela situação.
SPOILERS!
Luigi Siniscalchi faz vários desenhos mostrando o ponto de vista do personagem, dando vertigem no leitor e intensificando a tensão. O mesmo vale para a ótima exploração visual das tentativas de salvamento, com os pés de Moran na beirada do parapeito, com ele quase caindo na derradeira e definitiva tentativa de salvamento e com acontecimentos quase inacreditáveis nesse processo, com destaque para o “padre” que também sobe no parapeito para pregar, porque achava que “aquela era a sua missão“. Ao cabo, Horas Suspensas é uma história sobre atrasar ou tentar enganar a morte e, por esse ponto de vista, esta é uma trama bastante pessimista. Para Moran, que teve a sua esperança e fé na vida restauradas, pode até significar algo diferente. Ele recuperou a vontade de viver e não cometeu suicídio, o que é uma vitória para Júlia e companhia. Mas ao mesmo tempo, o fato de ter sido assassinado logo em seguida, coloca um ponto final ainda mais amargo na situação. No momento em que achava que teria a sua felicidade de volta… alguém resolveu que ele não deveria mais viver. Isso imediatamente após Moran ter mudado de ideia sobre esse mesmo assunto. Haja tragédia!
Júlia Kendall – Vol.23: Horas Suspensas (Ore Sospese) — Itália, agosto de 2000
No Brasil: Mythos, 2006 e 2021
Roteiro: Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo, Maurizio Mantero
Arte: Luigi Siniscalchi
Capa: Marco Soldi
130 páginas