Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Júlia Kendall – Vol. 16: A Sombra do Tempo

Crítica | Júlia Kendall – Vol. 16: A Sombra do Tempo

por Kevin Rick
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A Sombra do Tempo é a edição mais diferente (até aqui) no cânone da criminóloga. Júlia é convidada por um amigo psiquiatra chamado Thomas a investigar os distúrbios mnemônicos (memória) de uma mulher atormentada por visões de uma menina acobertada de sangue. O psiquiatra acredita serem ilusões pregadas por medos passados, enquanto Kendall crê na possibilidade do inconsciente da mulher estar trazendo à tona um crime que ela preferiu enterrar nas profundezas da sua mente.

Logo, temos uma narrativa de investigação psicológica. O roteiro de Giancarlo Berardi não “desfruta” de um assassino, corpos, pistas ou até mesmo um crime propriamente dito, mas se constrói dramaticamente em torno da dificuldade em encarar a realidade da vítima – e de certa forma de Júlia, como vou falar. De menções a Durkheim, longos debates de psicologia, até sessões de terapia, o crime, aqui, ganha diferentes camadas de conhecimento dentro da série, não necessariamente focadas na criminologia ou no estudo das ações de serial killers, mas na complexidade da mente humana nos seus aspectos mais rotineiros e mundanos: uma família normal e amorosa frente a uma situação horripilante.

Berardi coloca a iniquidade humana em um ambiente completamente inesperado. Notem como grande parte da história acontece em jantares familiares, conversas carinhosas e pessoas bem-intencionadas, enquanto uma espécie de crueldade vai sendo desenrolada nesse âmbito superficialmente puro e sincero. Uma filha que denuncia o pai com base em fragmentos de memória, o mesmo pai que fez coisas terríveis para sua proteção, se rendendo a prostituição e suicídio no meio da culpa, e o desfecho horripilante da verdade, o maior exemplo de uma narrativa construída em torno do crime em lugares impensáveis e acidentais – e como a psicologia tenta explicar as complexidades mentais das consequências.

Além disso, fazendo um vínculo com a construção íntima e familiar da mulher que sofre essas alucinações, o texto de Berardi desenvolve o arco de Júlia com base nos mesmos artifícios temáticos e narrativos, como a dificuldade de encarar a realidade – não sobre um crime e distúrbio, mas do romance e solidão – e toda essa cara de drama intimista da edição. A personagem ganha um flerte com o psiquiatra Thomas – coitado do carequinha Webb -, esticando alguns dramas e desejos pessoais da protagonista, como a falta (e o ganho) de sexo, as adversidades do isolamento social e afetuoso que ela mesmo se impõe, até mesmo a carinhosa maneira que ela enxerga Emily como uma mãe/irmãzona.

Trazendo uma edição extremamente diferente das anteriores, Berardi cria em As Sombras do Tempo uma intimidade com o drama mais pessoal dos personagens, seja o crime ou a rotina, enquanto desenvolve uma investigação dilatada pelas complexidades psicológicas do ser humano – aliás, é preciso dar mérito para a arte de Pietro Dall’Agnol, que passa bem essa ideia de memória com o traço “rascunhado” e os desenhos de “fotografia antiga” nos flashbacks. Ainda sinto um pouco de problema com as resoluções repentinas, mas aqui a surpresa não é nem uma surpresa propriamente dita, mas o desfecho orgânico de uma história poderosa sobre o crime em contextos intempestivos e ocasionais, além dos aprendizados da realidade.

Julia – Le avventure di una criminologa #16: L’ombra del tempo — Itália, janeiro de 2000
Roteiro: Giancarlo Berardi
Arte: Pietro Dall’Agnol
Capa: Marco Soldi
132 páginas

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