Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Jubiabá (Adaptação em Quadrinhos)

Crítica | Jubiabá (Adaptação em Quadrinhos)

Uma jornada iconográfica sobre o herói do romance de Jorge Amado e sua trajetória de batalhas.

por Leonardo Campos
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Ao ser convidado para traduzir uma das obras de Jorge Amado para o universo das histórias em quadrinhos, o artista João Spacca de Oliveira escolheu Jubiabá. Na ocasião, a Companhia das Letras, em seu projeto de reedição dos livros do escritor baiano, decidiu também investir numa empreitada em outras linguagens, entregando para o público leitor uma produção visualmente deslumbrante, envolvente em sua iniciativa de relacionar os jovens com as propostas hibridas de leitura que este suporte é capaz de proporcionar.  Como um leitor profícuo da obra de Jorge Amado, devo dizer que o resultado geral é muito satisfatório, numa mescla de entretenimento, crítica social e possibilidades didáticas para uso não apenas na sala de aula da educação básica, mas também um material para ser conferido por todo tipo de público leitor.

A saga de Antônio Balduíno, o herói do romance Jubiabá, reflete a trajetórias de muitos afro-brasileiros, ainda acometidos, na contemporaneidade, pelas ressonâncias perversas da diáspora que resultou em eras de escravidão, subserviência, racismo e opressão, irreparáveis em certa medida, mesmo com todas as políticas públicas vigentes na atualidade em nosso país, uma nação imaginada que insiste em afirmar que vivemos a utópica democracia racial. Muita coisa mudou e muitos espaços têm sido ocupados, mas a caminhada, como nós sabemos, ainda é longa.

Sendo assim, diante da obrigatoriedade que a lei 10.639/03 trouxe, juntamente com o bom senso de docentes conscientes, Jubiabá pode ser uma ótima oportunidade para discussão de assuntos relacionados ao lugar do personagem negro em nossa sociedade. Tradução com cores fortes, movimentos pungentes e descrições detalhadas de cenários e acontecimentos que perpassam o livro ocupante da primeira fase do escritor baiano, esta HQ não é uma narrativa sobre resistência e muitas batalhas. Embates diante do determinismo, muitas vezes mais forte que o ímpeto dos personagens face ao duro estabelecimento da realidade nua e crua, num trabalho que nos demonstra tipos diversos e fortes, mas vitimados por um sistema de estratificado socialmente para não dar a mínima chance de evolução aos alijados pela marginalidade. Publicado em 1935, o livro foi lançado em HQ pela Companhia as Letras em 2009, uma jornada de leitura de 96 páginas, tendo um posfácio acoplado que nos explica os processos de produção do artista ao escolher os elementos de composição para a criação do belíssimo trabalho.

No quesito enredo, Jubiabá traz a seguinte estrutura narrativa: Antonio Balduíno, nascido em um morro de uma região periférica da cidade, conta aos leitores as diversas situações de sua trajetória, desde uma criança observadora, ao experimento do ringue de boxe e a posição de líder de uma greve enquanto estivador, associando sempre os seus momentos de alegria e dor com as situações políticas e sociais envolvendo o seu povo durante a sua vida. Ritos de candomblé, a relação com a tia e o pai de santo Jubiabá, as mulheres que atravessaram as suas experiências sexuais, o amor por Lindinalva, o contato com a malandragem, a sua paixão pela música, os embates com as forças opressivas policiais, dentre tantos outros acontecimentos de uma vida longa e estruturada por emoções múltiplas. Com sucesso, Spacca toma o ponto de partida da “prosa lírica” de Jorge Amado, um escritor sagaz ao descrever com vivacidade e empatia uma série de histórias imbricadas em dor e miséria.

Capoeira, negritude, a importância de Zumbi dos Palmares para a história dos movimentos políticos de emancipação negra, aspectos da religiosidade de matriz africana e diversos outros elementos são trabalhados ao longo das imagens e textos de Jubiabá, uma proposta de letramento iconográfico que possibilita intersecções entre o passado e o presente, tendo em vista permitir aos leitores, em especial, o público jovem, as mazelas da escravidão e os desdobramentos desta situação na contemporaneidade. Como recursos de reprodução de contextos e valores culturais, as histórias em quadrinhos se enquadram como excelentes oportunidades para introdução dos clássicos, cada vez mais distantes da galera atual e suas redes sociais e aplicativos, dos hábitos de leitura necessários para o exercício do senso crítico e, concomitantemente, da cidadania.

É um caminho de letramento que oferta oportunidades para as a ampliação dos conhecimentos gerais sobre o mundo, além da percepção visual das coisas. Com as medidas formais de inserção das HQS no âmbito da educação, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996, saímos da zona de equívocos onde se pensava que quadrinhos funcionavam apenas diletantismo, reforçando quanto o seu potencial iconográfico pode ser significativo. No caso de Jubiabá, além de entreter, o leitor vai adentrar numa aula coesa e visualmente deslumbrante sobre a cultura afrodescendente.

Jubiabá (Brasil, Março de 2009)
Roteiro: João Spacca de Oliveira
Arte: João Spacca de Oliveira
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 96

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