Poucos são os diretores que conseguem transpor a realidade para as telonas de forma tão apaixonante quanto Richard Linklater. Seja através da Trilogia do Antes ou, seu longa-metragem mais recente, Boyhood, o que assistimos são verdadeiros aspectos de nossas vidas colocadas diante de nossos olhos, de tal forma que, mesmo como espectadores, não temos como não mergulhar naquelas histórias, nos tornar mais um personagem ali no meio – claro que no caráter de observador, mas isso não tira a potência dos sentimentos que Linklater consegue evocar. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes nos entrega justamente isso, mais uma fase de nossas experiências retomadas com um olhar que consegue ser, ao mesmo tempo, naturalista e saudosista.
A trama funciona como uma espécie de sequência espiritual de Boyhood, ao passo que a projeção tem início no mesmo ponto que o outro longa terminara: com a chegada na universidade. Dessa vez, porém, acompanhamos o jogador de baseball Jake (Blake Jenner) e a narrativa se limita aos poucos dias que antecedem o seu primeiro dia de aula. Vemos o calouro conhecer seus colegas de casa, que também jogam no mesmo time da faculdade, formar relações com eles e, é claro, vamos juntos com ele para as festas e típicas comemorações dessa fase de nossas vidas.
O que poderia ser apenas mais um filme adolescente, Linklater consegue transformar em um estudo sobre os diferentes arquétipos que encontramos principalmente nos primeiros estágios do ensino superior. A escolha de abordar essa fase no início dos anos 1980 não é apenas em virtude da idade do diretor, que tinha vinte anos justamente nessa época, e sim para conseguir representar os diferentes grupos com um maior destaque, além, é claro, de apelas tanto para as audiências mais novas, quanto os mais velhos. E de fato, o realizador consegue nos acertar em cheio, ao ponto que não temos como não nos identificar com os personagens que vemos em tela.
Evidente que essa identificação é fruto da profundidade que Richard garante a cada um deles. Não temos figuras rasas que estão ali apenas no papel de apoio ao protagonista e sim verdadeiros seres humanos, que parecem ter sido filmados em suas vidas normais. Naturalmente o trabalho de atuação aqui presente é um verdadeiro triunfo do longa-metragem. Desde Jake até seu amigo tagarela Finnegan (Glen Powell), certamente um dos mais divertidos da obra, sentimos como se eles realmente existissem e o que assistimos é um trecho específico de suas vidas – da conversa mais trivial, até viagens existenciais, tudo soa extremamente realista, de tal forma que nos vemos dialogando com aqueles indivíduos, rindo e sentindo raiva com eles.
Em uma jogada esperta, o diretor/ roteirista ainda aborda, mesmo que pontualmente, as diferentes tribos que se estabelecem no campus – esportistas, punks, artistas, cada um deles é retratado a fim de criar uma imagem na qual conseguimos acreditar. Ao trabalhar com um protagonista que facilmente transita entre esses ambientes, Linklater ainda sutilmente trabalha toda a questão da dúvida, insegurança no jovem e, é claro, a eterna busca pelo seu papel dentro de um mundo maior, que apenas começou a se abrir com a chegada na faculdade. Acima disso tudo, há uma clara mensagem de que não precisamos nos limitar a uma coisa só e podemos facilmente nos entender e relacionar com outras pessoas de diferentes estilos – somente proveito pode ser tirado dessa troca de valores.
Algo interessante a se notar é o ritmo estabelecido na obra. Há a dosagem certa de diferentes aspectos desse convívio social – não temos um foco exagerado no baseball ou nas festas. Tudo flui de forma orgânica, ao passo que cada conversa mostrada, de fato, consegue abordar um lado diferente da mente dos personagens. Por mais que alguns pensem de forma bastante unilateral (e realmente temos pessoas assim), outros, como o já citado Finnegan demonstram uma verdadeira pluralidade, quebrando o preconceito de que um esportista ou alguém que somente vai a festas não pode ser inteligente ou contar com uma mente filosófica – fugimos daquele velho retrato do jogador de futebol americano que precisa de ajuda em seus estudos e caímos em algo mais pé-no-chão e a personagem Beverly (Zoey Deutch) é a encarnação dessa ruptura de linha de raciocínio, sua quebra de expectativa em relação a Jake perfeitamente ilustra o abandono desse atrasado pensamento preconceituoso.
Tudo isso ainda é ilustrado por uma fantástica trilha sonora que se apoia nas icônicas músicas dos anos 1980, especialmente o rock, que mais de uma vez é colocado no centro do palco dessa grande peça sobre a vida. De fato, que tipo de melodia melhor para representar esse primeiro passo em direção à liberdade? Estamos diante de uma nova fase da vida desses personagens e, por mais conturbada que seja, é motivo para se deixar levar pelas infinitas possibilidades à frente.
São poucas as vezes, especialmente nos dias atuais, que um filme nos deixa com aquela velha e quase esquecida frase na cabeça: “pera aí, mas já acabou?”. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes consegue fazer exatamente isso, ficamos com aquele gosto de quero mais após assistir um longa que não passa voando, mas que consegue nos imergir de tal forma que esquecemos da realidade à nossa volta, revivendo nossas próprias memórias e vivendo junto com esses jovens que acabaram de entrar na faculdade. Richard Linklater consegue acertar em cheio novamente, nos trazendo uma obra verdadeiramente apaixonante que, desde já, se define como um dos melhores filmes do ano.
Jovens, Loucos e Mais Rebeldes!! (Everybody Wants Some!!) – EUA, 2016
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Blake Jenner, Tyler Hoechlin, Ryan Guzman, Tyler Hoechlin, Wyatt Russell, Glen Powell, Temple Baker, J. Quinton Johnson, Zoey Deutch
Duração: 117 min.