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Crítica | Jovem e Inocente

por Luiz Santiago
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Dos filmes de Alfred Hitchcock, Jovem e Inocente talvez seja aquele que tem o elenco mais jovem de todos. Não só os protagonistas são muito jovens como também aparecem algumas crianças e adolescentes com participações de certa importância no filme, não apenas como figurantes. E é interessante ver um suspense do Mestre com personagens de pouca idade. A atmosfera da história é outra, pautada pela pouca experiência de vida dos envolvidos e por atitudes mais impulsivas. Nada muito complexo, nenhuma questão pessoal de grande mota, apenas jovens envolvidos numa trama de assassinato e que acabam se apaixonando um pelo outro, um contexto final que às vezes pode atingir negativamente a história, mas no caso de Jovem e Inocente, funciona muito bem.

A construção inicial do filme é muito mais eficiente que a observada em Sabotagem. Aqui, temos uma discussão inicial entre marido e mulher, cortando para o dia seguinte, onde vemos um corpo morto na praia e em seguida descoberto duas vezes, uma por Robert, que será injustamente acusado de ter cometido o crime e outra por duas jovens banhistas que interpretam errado a correria de Robert do local do crime. Os 15 minutos iniciais da fita são marcados por uma cadência episódica de eventos muito bem interligados, algo que tem um impacto bastante positivo no espectador. Mais do que em qualquer outro filme que dirigira até então, Hitchcock conseguiu um resultado maduro e livre de problemas de concepção, seja no fato gerador de determinadas cenas, seja em sua execução. Tomemos por exemplo a criação do suspense através de cenas de ação e perseguição.

Ora, o exercício do diretor em O Mistério do Número 17 ou Os 39 Degraus é interessante, mas se comparado ao que ele fez em Jovem em Inocente, perde força. A partir desse ponto, Hitchcock passou a aplicar os elementos de linguagem cinematográfica que experimentara nos longas anteriores, diminuindo a sua carga de testes e ampliando o seu fazer artístico, uma postura que melhorará a cada nova obra e já poderá ser vista em plena forma no seu filme seguinte, A Dama Oculta (1938).

A famosa cena do travelling através do salão de dança do Grande Hotel é um dos exemplos mais instigantes dessa criação de uma linguagem própria de suspense. Partindo de um grande campo (a câmera está no teto do salão), onde vemos pessoas dançando e uma banda ao fundo da tela, a câmera faz o seu trajeto, diminuindo o campo de visão e detalhando melhor os rostos dos dançantes. Em seguida, a lente foca nos músicos, e por fim, no baterista, que em um primeiro plano, quase como uma confissão para o espectador, revela o seu tique, o mesmo que havia apresentado desde a primeiríssima cena.

O que me incomoda em Jovem e Inocente é o colapso nervoso do qual o verdeiro criminoso padece, quando se descobre cercado. Não vejo uma justificativa psicológica ou motivacional para que alguém que tivesse cometido o crime que cometeu se revelasse tão fraco diante de algo do qual poderia escapar com relativa facilidade. E isso também vale para a pista deixada gratuitamente por ele, o que acaba colocando Roger em seu encalço. Vale também citar a estranha e improvável postura da polícia, tão sem utilidade quanto as de outros filmes do diretor, mas que, devido a complexidade da história aqui narrada, parece ter sério déficit de inteligência.

Diante dessas falhas de concepção em alguns pontos, é de se perguntar: Jovem e Inocente é mesmo um filme tão bom? A resposta é simples: sim, é! As tais falhas se destacam principalmente porque todo o restante é muitíssimo bem realizado e, justamente por isso, consegue encobrir as consequências dessas fases menores, resultando em um produto final instigante e divertido, fazendo de Jovem e Inocente um dos filmes memoráveis da fase britânica de Alfred Hitchcock.

  • Crítica originalmente publicada em 24 de fevereiro de 2014. Revisada para republicação em 07/01/20, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Jovem e Inocente (Young and Innocent) – UK, 1937
Direção:
Alfred Hitchcock
Roteiro: Charles Bennett, Edwin Greenwood, Anthony Armstrong, Gerald Savory, Alma Reville (baseado na obra A Shilling For Candles, de Josephine Tey).
Elenco: Nova Pilbeam, Derrick De Marney, Percy Marmont, Edward Rigby, Mary Clare, John Longden, George Curzon, Basil Radford, Pamela Carme, George Merritt, J.H. Roberts
Duração: 80min.

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