O segundo filme protagonizado por Jack Ryan, analista da CIA criado pelo romancista americano Tom Clancy, é uma continuação unida ao primeiro filme, Caçada ao Outubro Vermelho, por apenas um fio chamado James Earl Jones. Ele é o único ator a reprisar personagem do primeiro, o Almirante Greer. De resto, o roteiro não faz nenhuma referência a eventos do filme anterior.
Mas isso pouco importa. Ainda que tecnicamente Jogos Patrióticos sejam sim considerado uma continuação e não um reboot, as histórias não têm conexão e nem precisam ter. Até mesmo o Jack Ryan do primeiro é completamente diferente do segundo e não estou aqui falando da substituição de Alec Balwin (que estava indisponível na época) por Harrison Ford. O Ryan de Outubro Vermelho é um analista mais júnior digamos assim, um protegido do Almirante Greer. No segundo, ele já está até aposentado da CIA e com uma filha. Ele dá aula na Academia Naval de Annapolis e vive um vida pacata em sua bucólica casa na beira de um penhasco junto com sua esposa Cathy (Anne Archer tomando o papel que fora brevemente de Gates McFadden) e a já mencionada filha.
Acontece que Ryan está com sua esposa e filha em Londres quando, por instinto, impede um atentado de uma facção radical do IRA contra um membro da realeza. No processo, ele mata o irmão caçula de Sean Miller (Sean Bean), um dos terroristas, e acaba sendo alvo da sana obsessiva vingativa dele. Aparentemente seguro de volta aos Estados Unidos, depois de se recuperar de seus ferimentos e de testemunhar contra Miller, Ryan recomeça sua vida pacata, apenas para sua família ser quase dizimada pela ação dos irlandeses. Agora é a vez de Ryan se vingar, voltando para a CIA para usar sua capacidade analítica para trucidar com os bandidos.
Até a primeira metade da fita, quando a ação que descrevi acima acontece, Phillip Noyce (que viria a dirigir Perigo Real e Imediato, O Colecionador de Ossos e Salt) faz um bom filme de ação que não deixa nada a dever ao espirito da franquia Jack Ryan. Usando-se da premissa de “herói por acidente”, ele consegue filmar o roteiro de W. Peter Iliff (Caçadores de Emoção) e Donald Stewart (junto com James Earl Jones, o único a voltar para a franquia) de maneira envolvente. O charme inerente de Harrison Ford, com seu rosto de indefeso que faz tudo por sua família convence muito bem e ele, juntamente com a bela e firme Anne Archer, conseguem atrair o espectador para a ação.
O problema vem na segunda parte, com Cathy e Sally (Thora Birch, novinha) convalescendo da tentativa de assassinato e Ryan voltando à CIA para caçar a célula terrorista renegada. Como desk jockey, Ford simplesmente não funciona. Pode ser porque estamos acostumados a vê-lo em filmes de ação em que ele é o catalisador das sequências, mas creio que, na verdade, o problema esteja concentrado no roteiro, que burocratiza as análises e, em última análise, as emburrece, algo completamente diferente do que ocorre em Outubro Vermelho. Enquanto no primeiro filme as conclusões são inteligentes e dependentes unicamente de Ryan, em Jogos Patrióticos há uma preguiça enorme em se criar uma atmosfera inteligente. E isso sem contar com o fato que tudo tem que ser explicado em detalhes para nós, espectadores burros. Chega a ser risível que o grande impulsionador das investigações sejam os peitos (literalmente) da única terrorista mulher do grupo.
O terceiro ato novamente mergulha na ação, em um improvável ataque à casa de Ryan (que só em um universo muito bizarro seria autorizado a receber para jantar o mesmo membro da família real que salvara em Londres) por Sean Miller e equipe. Todo mundo pode, hoje em dia, deduzir como as coisas acabam para Miller, pois ele é vivido por Sean Bean e Sean Bean não é ator para sobreviver à filme algum. No entanto, contando com a participação ainda discreta de Samuel L. Jackson, a ação volta a funcionar razoavelmente bem, ainda que tudo se encaixe de maneira conveniente demais no roteiro. É um pouco no estilo “Indiana Jones”, mas talvez seja isso que a convenção determine quando o astro é Harrison Ford.
Infelizmente, porém, Basil Poledouris não volta para compor a trilha sonora e, em seu lugar, temos James Horner com um trabalho que, ainda que funcione bem, parece um estranho auto-plágio. Em diversas passagens, a não ser que meus ouvidos estejam me traindo, conseguimos ouvir distintamente a música de suspense que o mesmo Horner compôs para Aliens – O Resgate ao ponto de ser perturbador. Considerando que já a trilha de Aliens não era completamente original, com trechos quase que integralmente chupados do “adágio de Gayane”, de Aram Khatchaturian, torna-se ainda mais estranho nova utilização justamente do mesmo adágio em Jogos Patrióticos.
Jogos Patrióticos é uma eficiente, ainda que não especialmente memorável volta ao universo “ryanesco” criado por Tom Clancy. Vale pelas magnéticas presenças de Ford e Archer e pela eletrizante primeira metade. Se o roteiro tivesse sido trabalhado sem tentar simplificar demais conceitos, Caçada ao Outubro Vermelho teria um concorrente digno. Do jeito que ficou, é apenas mais um filme com um tal de Jack Ryan.
Jogos Patrióticos (Patriot Games, EUA – 1992)
Direção: Philip Noyce
Roteiro: W. Peter Iliff, Donald Stewart (baseado em romance de Tom Clancy)
Elenco: Harrison Ford, Anne Archer, Patrick Bergin, Sean Bean, Thora Birch, James Fox, Samuel L. Jackson, Polly Walker, J.E. Freeman, James Earl Jones, Richard Harris, Alex Norton
Duração: 117 min.