Eles sempre voltam. No campo dos filmes de terror, a expressão que abre esta crítica é algo corriqueiro em diálogos, marketing, bem como outros elementos que compõem alguma descrição sobre narrativas que geralmente fazem parte de uma franquia. Foi assim com Michael Myers, Hannibal Lecter, Candyman, Jason Voorhees, as entidades exorcizadas por Lorraine e Ed Warren, dentre tantos outros universos cinematográficos. Não seria diferente, óbvio, com John Kramer, o assassino do suplício na rentável série Jogos Mortais, retomada em 2017 depois de algum tempo quieta, tendo em vista o desgaste apresentado no questionável capítulo final, o sétimo exemplar deste enredo de torturas e sadismo como punição para indivíduos que deixam a desejar socialmente e as vezes se entregam ao “mal-estar de nossa civilização”. Alcoólatras, prostitutas, agiotas, ladras, suicidas, enfim, as pessoas que segundo Kramer, não deram o devido valor à vida, aqui encontram na punição um meio de expurgar seus pecados, geralmente sem a oportunidade de sair ileso e voltar ao mundo renovado. Em Jigsaw: Jogos Mortais, todos esses elementos estão de volta, com direito aos habituais jogos de reviravoltas no desfecho. A sensação, no entanto, é de desgaste, mesmo que tenhamos nos divertido em a empreitada.
Outro ponto que também merece destaque é o tom morno adotado. Há uma sensação de covardia, pois por mais que haja alguns pontos de violência entre um trecho e outro do filme, sentimos que as armadilhas ainda são mortais, mas sem o virtuosismo aterrorizante de seus antecessores. É possível também que tenhamos visto tanta coisa na franquia que qualquer destruição física de personagens em cena não impacte como anteriormente. São variantes para levarmos em consideração. O que se reflete e conclui nesta oitava incursão pelo universo de Jogos Mortais é o fato de não estarmos diante de um filme ruim. O que ocorre aqui é o desenvolvimento de um ritmo mais ameno e dramaticamente inferior ao que contemplamos nos três primeiros enredos da franquia, algo que automaticamente nos faz traçar comparações e exigir melhorias, haja vista a nossa busca por evolução ao passo que uma técnica é testada em determinado ponto e ganha a oportunidade de melhorar a cada avanço possibilitado. Assim, repito: este não é um filme ruim, apenas se porta como um exemplar menor dos “jogos mortais”.
Sob a direção dos irmãos Spierig (Michael e Peter), dupla de cineastas guiada pelo texto de Josh Stolberg, acompanhamos um grupo de pessoas que se encontram diante da obrigação de seguir todos os passos dos jogos empreendidos por alguém que parece um imitador ou quem sabe, seja o próprio Jigsaw, John Kramer, criminoso dado como morto há uma década. Dentro de um enorme celeiro, construído pela equipe do design de produção de Anthony Cowley, os indivíduos levados ao suplício precisam assumir os seus pecados e entregar sangue para garantir a sobrevivência neste projeto macabro que possui vários suspeitos, despistados com o excesso de reviravoltas propostas ao longo do desenvolvimento da narrativa em seis 92 minutos. Paralelo ao jogo perverso, temos a investigação dos detetives Halloran (Callum Keith Rennie) e Keith Hunt (Clé Bennet), policiais de postura eticamente ambígua que contam com o apoio dos patologistas Logan (Matt Passmore) e Eleanor (Hannah Anderson) para a análise dos cadáveres que surgem ao passo que o jogo avança e a investigação empaca com tantos obstáculos.
Diante do exposto, podemos afirmar que Jigsaw: Jogos Mortais é um filme policial com bons momentos e reviravoltas que funcionam, mas infelizmente, não possui o vigor suficiente para ressuscitar uma linha narrativa já desgastada. Desta vez, contemplamos o sofrimento de Mitch (Mandela Van Peebes), Anna (Laura Vandervoot), Ryan (Paul Braunstein), Carly (Brittany Allen) e um homem inconsciente que infelizmente não sobrevive e se torna a primeira vítima das armadilhas mortais de John Kramer, ou, como deixa em suspense até o desfecho, do seu imitador que segue o mesmo modo de operação dos crimes com castigo das produções antecessoras. Neste panorama, temos a ladra de bolsa, a esposa que incriminou o marido, o drogado violento, o vendedor de produtos defeituosos que causou o acidente fatal de um motociclista, dentre outros “pecadores” ceifados diante do público e apresentados aos nossos olhos pela boa direção de fotografia de Ben Nott, conjunto de imagens com potencial angustiante complementado pelo design de som de Mark Gingras e conduzidas em paralelo ao eficiente trabalho de Charlie Clouser na trilha sonora, aqui com novidades no tratamento da música tema que já se tornou uma referência.
Jogos Mortais: Jigsaw (Jigsaw) — EUA, 2017
Direção: Michael Spierig, Peter Spierig
Roteiro: Pete Goldfinger, Josh Stolberg
Elenco: Matt Passmore, Tobin Bell, Callum Keith Rennie, Hannah Emily Anderson, Clé Bennett, Laura Vandervoort, Paul Braunstein, Mandela Van Peebles, Brittany Allen, Josiah Black
Duração: 92 min.