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Crítica | Jogo Justo (2023)

Sexy e perigoso.

por Felipe Oliveira
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Embora tenha um histórico por trás das câmeras e roteiros de séries de ação, a estreia de Chloe Domont em um longa-metragem chama a atenção pela maneira afiada com que conduz Jogo Justo, thriller que lhe rendeu elogios em Sundance. Tal como um conto de romance sensual e açucarado e por vezes, um suspense erótico, é como a autora americana apresenta seu filme. Com referências que remetem ao tentadores Instinto Selvagem e Atração Fatal, thrillers eróticos que marcaram a virada para a década de 90, é curioso como a diretora e roteirista utiliza dessa inspiração para propor uma leitura de personagens através de um conto de romance tóxico que explode ao revelar as facetas no jogo de poder. A partir disso, o título do longa se torna uma ironia conforme a dinâmica se afunila.

O modo com que Domont navega sobre as aparências norteia Fair Play de forma encantadora, principalmente nos primeiros minutos onde acompanhamos a intensidade do casal vivido por Phoebe Dynevor e Alden Ehrenreich. Ao termos essa atmosfera sensual é como acreditamos que essa história contempla um romance dos sonhos, no auge, no seu estado mais provocante. É ótimo que no momento que vemos os pombinhos se afastarem e esperamos a retomada, é quando essa linha se borra e traça um novo rumo narrativo, como se a ponte entre o erótico e um conto de fadas adulto se rompesse e partisse para “a realidade das coisas”. O campo escolhido por Domont é o corporativo, numa empresa de investimentos em que a dupla de protagonistas trabalha, até que uma promoção faz o romance proibido ser testado em limites inesperados.

Se inicialmente Domont nos envolvia com a euforia sedutora de um romance, a premissa passa a encarar toda aquela fervura desfalecer, usando como combustão a fragilidade masculina. Não é como se a autora definisse que teria um pouco de erotismo e de conto de fadas em Jogo Justo, entretanto, a forma com que o filme avança, é como se o retrato tão fugaz de paixão e desejo não existisse. De repente, o ritmo inebriante do casal vai ficando em segundo plano frente a paranoia e insegurança que consome Luke, personagem de Ehrenreich, e a partir de sua perspectiva revelar o ambiente tóxico e misógino que cerca Emily (Dynevor).

Ao propor uma leitura sobre dinâmica de poder e gênero pela ótica da masculinidade frágil, Domont faz de Fair Play um thriller sufocante, sustentado pela agilidade e urgência com que o roteiro foi trabalhado. Com uma escrita e autodomínio tão inteligente, a autora evita caminhos didáticos para debater a temática e consegue refletir-la com naturalidade; a aura de Fatal Atraction está lá, porém, Domont atualiza o melodrama erótico para uma abordagem mordaz que vai ganhando força e se tornando cada vez mais afiado, excitante e enervante, o que pede um olhar para as performances de Dynevor e Ehrenreich. Ter esse efeito que remete a títulos clássicos do gênero e, ainda assim, ter uma premissa com discussões atuais, torna a estreia de Domont mais instigante. 

As situações e arcos previsíveis estão presentes, contudo, Domont possui uma escrita madura que consegue conciliar e defender a lógica que Jogo Justo vai assumindo, mantendo um ritmo ágil para um suspense que soa familiar mas que nunca deixa de ser funcional e diferente – a exemplo de como o roteiro desvia do melodrama como clímax. Domont não mantém aqui uma discussão na superfície sobre masculinidade (as conversas em tom predatório e corrosivo) e dinâmica de poder, mas ao despir-se do romance inicial, seu roteiro se debruça a observar a fragilidade e comportamentos na filosofia dos “homens de negócios” – sendo o ápice a forma que Luke busca por esse ideal com livros, palestras e no momento que expressa um discurso pedante por reconhecimento.

Graças a fotografia de Menno Mans, o clima psicótico que a trama vai assumindo pôde ser vista de ângulos conflitantes, inquietos, o que torna Fair Play ainda mais meticuloso e desconcertante. Fazendo um caminho oposto ao que iniciou – de um romance intenso sendo explorado – Domont traz um significativo desfecho para o conto de fadas distorcido, sexy e sufocante. E por mais que tenha um ar de familiaridade – um filme sobre relações tóxicas, mas não obsessiva – é inegável que é difícil ver um thriller como essa energia: ambíguo e provocante, e executado de uma maneira brilhante e instintiva.

Jogo Justo (Fair Play – EUA, 2023)
Direção: Chloe Domont
Roteiro: Chloe Domont
Elenco: Phoebe Dynevor, Alden Ehrenreich, Eddie Marsan, Rich Sommer, Sebastian De Souza, Sia Alipour, Brandon Bassir, Geraldine Somerville, Patrick Fischler
Duração: 113 min.

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