Home FilmesCríticas Crítica | Jim Henson: O Homem-Ideia

Crítica | Jim Henson: O Homem-Ideia

Uma mente brilhante.

por Ritter Fan
999 views

Em gestação desde 2010, o documentário sobre o lendário Jim Henson, patrocinado pela Disney, finalmente viu a luz do dia sob a direção de Ron Howard, que estreou no comando de obras desse gênero em 1992, intensificando esse foco a partir de 2023, com roteiro de Mark Monroe, que construiu sua prolífica carreira em cima de documentários. Jim Henson: O Homem-Ideia tem uma abordagem básica, seguindo a cronologia da vida do biografado e uma pegada de homenagem a ele e à suas imortais criações, com um impressionante trabalho de garimpo de entrevistas, fotografias e outros materiais (inclusive diversos anúncios de televisão que Henson fez com seus personagens) que gravitam ao redor dele e uma simpática reconstrução de suas obras menos conhecidas, pré-Muppets, por vezes até surpreendendo com mergulhos em um lado menos conhecido de sua vida.

Minha única dúvida sobre a temporalidade do documentário é sobre o quanto os personagens criados por Henson, especialmente os Muppets e o quanto o próprio Henson ainda permanecem no imaginário popular. Em um mundo em que a efemeridade de obras é a regra, com um público com capacidade de atenção cada vez mais reduzida, sempre querendo mais e mais novidades, e com o audiovisual tomado quase que completamente pela computação gráfica, tenho minhas dúvidas sobre o quanto o documentário sobre um célebre marionetista pode representar para os mais jovens, aqueles que nasceram, digamos, a partir de meados dos anos 90, depois do trágico falecimento do visionário criador. Seja como for, o que Howard e Monroe entregam ao público é uma visão muito bem-vinda do ímpeto de um homem diferente que criou o que queria, sem considerações maiores, e, com isso, ressuscitou a arte da criação e manipulação de bonecos e marionetes.

Traçando as origens de Henson e deixando bem claro que seu ingresso em sua área específica de atuação deu-se quase que por puro acaso, baseado no interesse dele em ingressar no mundo da produção audiovisual, o documentário consegue estabelecer bem fortemente a importância de Jane Nebel (depois Jane Henson), que viria a se casar com ele muito cedo, ainda em 1959, para seu processo e suporte criativos e para o início de seus negócios, em uma parceria que já de início ultrapassava e muito a conexão romântica entre eles. E é a construção de uma família – Jim e Jane teriam, em razoavelmente rápida sucessão, nada menos do que cinco filhos – que permanece o tempo todo como pano de fundo da narrativa construída por Mark Monroe de forma a demonstrar o quanto a crescente paixão de Jim Henson por seu trabalho afastou-o desse núcleo pessoal, aproximando-o muito mais de nomes como os do grande Frank Oz, que concede generosas entrevistas sobre o homem que o descobriu ainda adolescente e tornou-se seu mentor, e outros como Alex Rockwell e Dave Goelz e, depois, o magnata britânico do entretenimento Lew Grade, o único – por incrível que pareça – que viu potencial e aceitou produzir o hoje icônico The Muppet Show, que foi um dos maiores sucessos da televisão ocidental no final dos anos 70 e começo dos anos 80.

Em outras palavras, o documentário é, ao mesmo tempo, um relato dinâmico e efervescente sobre uma mente brilhante no corpo estereotípico de um “hippie magro, alto, cabeludo e barbudo” que trabalhava incessantemente na criação e personificação de personagens inesquecíveis como Caco (Kermit, no original) e Garibaldo (Big Bird) e, também, na concepção de uma pletora de outros projetos que incluíam até mesmo boates e peças de teatro, além de filmes experimentais, como também uma abordagem que chega até a ser melancólica sobre o lento desfazimento de uma união duradoura. Mesmo com a pegada de homenagem, com as entrevistas com os cinco filhos reiterando o que posso chamar de inevitabilidade da separação, algo que se conecta também com a visão conservadora de Henson sobre o papel da mulher em um relacionamento (o que, ironicamente, navega na direção contrária de tudo o que ele fez criativamente), fica a inegável sensação de que Howard e Monroe quiseram evitar uma abordagem puramente chapa branca, o que é sempre uma boa notícia em documentários.

Vale reiterar a profundidade do trabalho de garimpo fotográfico e audiovisual da equipe de produção que traz imagens e cenas de Jim Henson ao longo de toda sua vida, com um sem-número de entrevistas com ele e comentários dele mesmo sobre seu trabalho, além de visões de bastidores de todo o processo complexo e desconfortável de controle das marionetes, valendo destaque para a entrevista dele e de Oz para ninguém menos do que Orson Welles e as imagens de reuniões criativas tanto nos EUA, especialmente no que se refere ao programa Vila Sésamo (que Henson não criou, mas sim povoou com seus personagens), quanto na Inglaterra, no que se refere ao The Muppet Show. Há também entrevistas com um bom número de pessoas diretamente relacionadas com sua vida pessoal e profissional – inclusive filmagens de arquivo de Jane Henson – e outras como Rita Moreno e Jennifer Connely, que trabalham com Henson em momentos bem diferentes de sua carreira, a primeira como convidada em The Muppet Show e a segunda relembrando sua escalação e trabalho em Labirinto – A Magia do Tempo, o maior fracasso financeiro do visionário criador.

O que fica, para quem viveu a época de ouro de Vila Sésamo e principalmente de Os Muppets, depois que os créditos começam a subir, é a sensação de ter assistido a vida de um mago do entretenimento que foi muito além do público infantil e que realmente desafiou convenções. E eu espero que aos mais jovens, que naturalmente não tenham tido exposição às criações de Jim Henson – o criminoso cancelamento da série baseada em O Cristal Encantado pelo Netflix pode ser um reflexo do desinteresse atual em obras assim -, o documentário de Ron Howard e Mark Monroe possa servir de porta de entrada para um universo absolutamente fascinante, muito distante do ritmo veloz e furioso de hoje em dia, mas, por outro lado, muito mais desafiador no ponto alto da criatividade do “hippie” barbudo que deixou saudades ao falecer com apenas 53 anos em 1990.

Jim Henson: O Homem-Ideia (Jim Henson: The Idea Man – EUA, 31 de maio de 2024)
Direção: Ron Howard
Roteiro: Mark Monroe
Com: Frank Oz, Alex Rockwell, Heather Henson, Dave Goelz, Lisa Henson, Brian Henson, Cheryl Henson, Fran Brill, Bonnie Erickson, Michael K. Frith, Rita Moreno, Jennifer Connelly, Dick Cavett
Com cenas de arquivo de: Jim Henson, Orson Welles, Jane Henson, Lew Grade
Duração: 108 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais