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Crítica | Jardins de Pedra

Um bom epílogo de Apocalipse Now.

por Davi Lima
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Jardins de Pedra

Todo diretor que se preze nos EUA ou faz um filme de guerra, ou um filme anti-guerra. Francis Ford Coppola, o diretor famoso pelo clássico moderno Apocalipse Now, filme diretamente crítico e inebriante sobre a guerra do Vietnã, anima-se de novo com o tema. Dessa vez o diretor dedica-se a gravar sobre a vida dos ex-combatentes fora da guerra, onde o cotidiano e as conversas sobre política, carregadas de ironia e realismo, tornam-se fascinantes de acompanhar à distância do Vietnã. Por causa disso, contar a história sobre a Guarda de um cemitério do Exército acaba por se tornar um esforço fílmico fácil de atingir um ápice dramático, quando a aproximação da guerra se torna inevitável em Jardins de Pedra.

Quando digo “fácil”, refiro-me à maneira como o diretor prefere contar histórias. Coppola faz parte da Nova Hollywood, um movimento conhecido por experimentar novas formas de fazer cinema, combinando crítica e realismo. No entanto, ele se destacou por sua maturidade ao equilibrar essas inovações com o estilo mais clássico e focado em gêneros do cinema tradicional de Hollywood. A trilogia Poderoso Chefão e A Conversação são os melhores exemplos, e Jardins de Pedra não foge disso.

Nas cenas com a maior parte do elenco principal (James Earl Jones, Anjelica Huston, Lonette McKee) na casa do personagem Clell Harzard, interpretado por James Cann, o roteiro de Ron Bass (famoso por Rain Man) brilha, assim como a interpretação dos atores mais verossímeis e a direção fotografia de Jordan Cronenweth (o mesmo de Blade Runner). O lar do sargento Harzard é um ambiente seguro para militares falarem mal da guerra do Vietnã, mas também acolher o jovem soldado Jackie Willow (D.B. Sweeney), que é fascinado pelo fronte vietnamita.

A inevitabilidade da guerra se manifesta através desse personagem, cuja história é narrada do ponto de vista de Clell, um sargento encarregado de cuidar dele, apesar de sua forte discordância em relação à guerra. Essa antítese entre conteúdo e perspectiva, combinada com o estilo técnico de Coppola, que torna a montagem mais objetiva e moderna, transforma os momentos íntimos, simples e clássicos na casa de Hazard no núcleo dramático do filme.

A história também vai se tornando “fácil” de prever, embora o interesse em assistir seja mantido pelas dinâmicas entre os personagens. Sam, interpretada por Angelica Huston, é um ponto forte nesse aspecto: a jornalista do Washington Post que representa o lado mais extremo contra a guerra e desenvolve uma relação com um militar conservador. Esse toque de realismo, ao mostrar pessoas de opiniões tão diferentes convivendo, impulsiona grande parte do segundo ato.

Pode parecer simplista basear o drama do filme em conversas sobre a guerra entre uma jornalista e um ex-combatente, enquanto acompanhamos Willow crescer no exército, casar e partir para o front. No entanto, Coppola constrói essas tramas de forma progressivamente densa através da montagem, encerrando cada ato com o “fracasso” de Hazard em mudar a mentalidade dos recrutas sobre a guerra, e o “sucesso” do jovem ao alcançar tudo com sua postura bélica. O contraste entre as perspectivas anti-guerra e pró-guerra se intensifica naturalmente ao longo da narrativa, tornando o terceiro ato — que encerra o ciclo iniciado no primeiro — especialmente impactante.

O roteiro de Jardins de Pedra, baseado no livro homônimo de Nicholas Proffitt, sugere um suspense que, na verdade, disfarça um grande flashback — a história inteira que acompanhamos. Embora essa estrutura possa parecer previsível, ela se alinha perfeitamente com a abordagem moderna de Coppola, na decupagem. A trilha sonora de Carmine Coppola intensifica essa atmosfera, destacando momentos cruciais com temas de suspense, enquanto os close-ups da fotografia adicionam uma sensação de angústia, sugerindo uma tragédia iminente. Ainda que o filme seja essencialmente um drama, ele utiliza o suspense de forma inteligente, aumentando nossa expectativa, mesmo quando temos uma ideia do desfecho.

Se não bastasse esse cuidado na forma, o filme ainda traz uma ironia no retrato do cotidiano militar, que adiciona um toque de humor ao ambiente da Guarda. Não podemos esquecer que a premissa apresenta militares fora de combate, cuja principal função é organizar enterros e entreter o público em cerimônias presidenciais nos EUA. Isso cria um distanciamento da guerra que funciona de forma positiva. Uma cena marcante, dirigida por Coppola e editada por Barry Malkin (colaborador dos dois últimos O Poderoso Chefão), utiliza uma montagem paralela para destacar um contraste brilhante: de um lado, o deslumbramento do público americano com a apresentação impecável da Guarda; do outro, um recruta que, em sua posição de sentido, deixa a arma cair, expondo a falibilidade por trás da perfeição aparente.

Ao final, o que parecia apenas simbólico, se torna concreto. O “jardim de pedras“, como é chamado o cemitério onde a Guarda atua, é ressignificado sem excessos: de um trabalho visto como secundário pelos militares, transforma-se em um espaço carregado de tragédia. Coppola torna o filme acessível, o que talvez leve alguns a considerá-lo menor dentro de sua filmografia. Contudo, trata-se de um sólido filme anti-guerra, capaz de impactar profundamente no clímax, quando morte e guerra se fundem de maneira inevitável em uma tragédia pungente.

Jardins de Pedra (Gardens of Stone) – EUA, 1987
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Ron Bass, baseado no livro homônimo de Nicholas Proffitt
Elenco: James Caan, Anjelica Huston, James Earl Jones, D.B. Sweeney, Dean Stockwell, Mary Stuart Masterson, Dick Anthony Williams, Lonette McKee, Laurence Fishburne, Peter Masterson, Carlin Glynn
Duração: 111 min.

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