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Crítica | Já Fui Famoso (2022)

O momento certo.

por Luiz Santiago
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Em 2015, Eddie Sternberg fez a sua estreia na direção com dois curtas-metragens, um chamado Out of Body e outro chamado I Used to Be Famous. A recepção muito positiva do público, da crítica e dos júris de festivais que este segundo título lhe trouxe, fez com que o jovem cineasta tentasse transformar essa história em um projeto maior, um longa que pudesse expandir a narrativa e desenvolver bem mais os personagens. Foi com a produção da Forty Foot Pictures e Viewfinder que Sternberg conseguiu expandir a ideia, tendo, no final de tudo, uma negociação para distribuição internacional pela Netflix, o que certamente deu bastante visibilidade para o longa, o primeiro da carreira do diretor.

O roteiro, escrito em parceria com Zak Klein, utiliza o ambiente da música para contar uma história entrelaçada a diversas pessoas e com diferentes conflitos ligados a cada uma delas. Nesses vários lados narrativos, a constante é a figura de Vince (Ed Skrein), músico que na adolescência fez parte de uma boy band de grande sucesso e que agora, muitos anos depois, não consegue sequer um bar ou restaurante legal para tocar. Na base, é essa história que sustenta todas as outras, porque o texto irá desenvolver o personagem a partir das experiências de vida que ele teve e que foram ligadas à música. No tempo presente ele acaba, sem querer, encontrando-se com o jovem Stevie (Leo Long, em sua estreia nas telonas), um garoto autista que é um grande baterista e que cria com Vince uma amizade improvável.

Em diversos aspetos, Já Fui Famoso é um clichê dentro de sua esfera de abordagem, e o espectador entende, desde muito cedo, alguns caminhos necessários que o roteiro irá tomar. Entretanto, isso não afeta de maneira mortal a qualidade da obra. O diretor consegue trabalhar esses clichês de forma inteligente e torna o seu filme um bem-vindo feel good. Em seu desenvolvimento, o enredo acaba colocando um número maior do que o necessário em relação às variantes de conflitos, dispersando demais os personagens e plantando aí a dificuldade de uni-los de maneira orgânica na reta final. O curioso é que uma das melhores escolhas da obra vem justamente do conserto deste problema, e ela acontece na derradeira sequência, quando os alunos do grupo de musicoterapia do qual Stevie faz parte são convidados por Vince para tocar percussão em um “show de aniversário“. Não é só uma cena que dá coerência a uma linha até então relativamente solta na obra, como também um momento capaz de nos emocionar sobremaneira.

Vince é um personagem complexo, que está o tempo inteiro em uma encruzilhada de escolhas, algo que, no decorrer da vida, acabou trazendo-lhe muitas mágoas e arrependimentos. O melhor momento de todo o filme, contando o conteúdo e a forma de apresentação, considerando direção, montagem e trilha sonora, vem de uma sequência que alterna um momento de crise atual do ex famoso com suas lembranças do irmão, onde é explicado o motivo pelo qual ele acabou, eventualmente, saindo da banda. Há uma maturidade marcante na forma como o cineasta exibe a relação entre os dois irmãos e em como explora a carreira do personagem e sua promessa feita ao irmão doente. A partir daí, a amizade de Vince com Stevie ganha uma outra cor, e as linhas do roteiro que dão conta de uma “segunda chance” que ele recebeu na carreira, na verdade possuem um duplo sentido: dizem respeito também à sua vida pessoal, em ser correto e humano com seu novo amigo; fazer aquilo que ele não conseguiu fazer com seu irmão.

Vale dizer que não existe nenhum tipo de juízo moral imposto pelo diretor. Vince era jovem, estava no meio de amigos que o pressionavam e principalmente de um empresário que claramente o dominava. Essa relação entre humanidade e indústria da música também é explorada na obra, de maneira tangencial, mostrando como alguns artistas são levados para um determinado caminho por força das circunstâncias. Anos depois, se arrependerão amargamente de terem seguido algo supostamente vital para que conseguissem manter suas carreiras. Já Fui Famoso passa pela capacidade das pessoas de lutarem por seus sonhos, mesmo considerando as dificuldades pessoais. Passa também pela importância da amizade e, principalmente, da maturidade necessária para deixar que algumas coisas aconteçam e colocar fim em outras, mesmo naquelas que aparentemente oferecem muito em troca, desde que parte da humanidade do presenteado seja sacrificada. E volta-se sempre à pergunta para a qual existem muitas respostas, dependendo de quem responde: até que linha é possível ir para que um grande sonho seja realizado? Quais coisas podem ser sacrificadas para que a chance de um sucesso seja aproveitada? E como fica a consciência e a vida daquele que tudo sacrificou por um período de glória?

Já Fui Famoso (I Used to Be Famous) — Reino Unido, 2022
Direção: Eddie Sternberg
Roteiro: Eddie Sternberg, Zak Klein
Elenco: Ed Skrein, Eoin Macken, Lorraine Ashbourne, Eleanor Matsuura, Neil Stuke, Leo Long, Stanley Morgan, Kurt Egyiawan, Jamie Wannell, Rachel Kwok, Millicent Wong, Zara Flynn, Harley Kierans, Richard Sutar
Duração: 104 min.

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