Depois da recepção desastrosa de crítica e público com o memorável Pânico 4, foi compreensível que Kevin Williamson continuou a investir em projetos televisivos, afinal, em 2011, o cenário era semelhante a 1996: o slasher passava mais uma vez com um desgaste criativo com a segunda era de refilmagens. Ghostface voltava 11 anos depois com um argumento ainda mais ácido, porém, sofreu com um backlash pelo o que mais era consumido na época: filmes sobrenaturais. Diários de Um Vampiro estava em sua melhor fase, e o diretor, roteirista e produtor seguia criando produções que versavam com a fantasia e o público jovem. Mas o que dizer quando o consagrado autor anunciava um slasher após uma década?
Ao lado da co-roteirista Katelyn Crabb – que, afinal, tem sido uma parceira nesse retorno – Kevin mostra que continua sendo uma das mentes mais brilhantes quando se trata de escrever um slasher. Embora os vilões não tenham uma máscara de fantasma para personificar um comentário metalinguístico, através de Sick, Kevin usou o subgênero para traçar uma crítica ao extremismo e paranóia espalhada durante a pandemia da Covid-19. O filme foi sendo lançado silenciosamente em festivais até chegar ao grande público no ano passado, e ainda assim, conseguiu manter um argumento afiado ao centralizar a história no auge da pandemia.
Mesmo que a abertura apresente reflexos de Pânico – e soe deslocada do resto pela queima lenta da narrativa – a curiosidade sobre o que Kevin entregaria em Isolamento Mortal deixa tudo mais excitante e fresco. E mais uma vez o roteirista entrega uma cena de abertura longa que começa relembrando o cenário global em 2020: a falta de estoques em supermercados, as reações em alerta em sinal de espirros, tosses; a desinfestação de itens e alimentos, e uso de máscaras. Acompanhar o personagem masculino causa apreensão ao termos a sensação de que seus hábitos estão sendo observados, o que há uma mistura de um desconfortável home invasion e slasher tomando forma. Se por um lado a contextualização parecia familiar, a direção de John Hyams dava a carga de choque e urgência que levavam o terror para níveis diferentes.
Só a cena de abertura servia para ilustrar o estilo adotado pelo diretor. A todo tempo, fosse no abrir e fechar de porta, os movimentos de câmera criavam a sensação de um plano sequência em andamento, aumentando o senso de perigo e neurose; e como subversão, o invasor mascarado trocava os passos lentos de um assassino genérico do slasher por golpes violentos, e a câmera de mão de Hyams dava o tom frenético necessário para compor essa proposta intensa do subgênero, fazendo de cada moção, um embate empolgante entre vítima e vilão. O maior acerto de Sick é na precisão com que o roteiro define as sequências, como por exemplo, explorar a ambientação até o limite – com blockings e jogo de câmeras – o que fecha as brechas para escolhas estúpidas dos personagens: um passo errado, a consequência é brutal.
Ainda que em sequência da abertura o filme parecesse perder o ritmo, era a pausa que o roteiro precisava para dar pistas sobre a reviravolta final, sendo a maioria dita pela inconsequente Parker (Gideon Adlon). Concentrando-se em poucos personagens, o roteiro é inteligente para explorar o máximo da luta pela sobrevivência das duas amigas, Parker e Miri (Bethlehem Million), mesmo que seja em momentos de falsos sustos, Kevin e Crabb não sacrificavam o suspense, o que era sempre bem construído acompanhado da trilha sonora inquietante de Nima Fakhrara. Por meio da fotografia Yaron Levy, o baixo orçamento da produção é compensado pelo uso eficiente da ambientação escuras para continuar criando um clima constante de tensão e perigo em torno das protagonistas e os invasores que ameaçam sua quarentena numa casa isolada da civilização.
Teve ironia e sátira no filme mais do que parecia, e o nível de acidez nos diálogos finais foram divertidos o suficiente para exemplificar como Crabb e Kevin utilizaram o contexto pandêmico de maneira sagaz, longe do imediatismo inicial das produções refletindo a Covid. A julgar pelo histórico de longas cenas inteligentes de perseguições de Kevin, Sick se torna uma tomada estendida de chase scenes, com ares de slasher camp e embalado pela câmera implacável de Hyams numa intensa caça de gato e rato esgotando a limitação do cenário. Fosse por parecer trivial em alguns momentos ou que tivesse menos traços de Pânico, Isolamento Mortal entregou um slasher habilidoso que não se via há muito tempo.
Isolamento Mortal (Sick – EUA, 2022)
Direção: John Hyams
Roteiro: Kevin Williamson, Katelyn Crabb
Elenco: Gideon Adlon, Bethlehem Million, Dylan Sprayberry, Marc Menchaca, Jane Adams, Joel Courtney, Chris Reid
Duração: 83 min