Jon Stewart notabilizou-se com seu programa satírico The Daily Show, que apresentou de 1999 a 2015, sempre marcando-o por uma acidez irresistível. Nas cadeiras de roteirista e diretor cinematográfico, o humorista tinha, apenas, 118 Dias, sem dúvida um bom começo, com Irresistible, que teria sido lançado nos cinemas não fosse a pandemia de COVID-19, seguindo seis anos depois. Curiosamente, porém, apesar de o filme abordar sua especialidade, a sátira política, sua ferocidade verbal que demonstrou ter em seu programa quase diário dá lugar a uma abordagem domada, querendo agradar a gregos e troianos, que esvazia o potencial que demonstra ter logo no começo.
Steve Carell vive Gary Zimmer, um conselheiro político democrata que decide embarcar em um projeto pessoal para eleger o Coronel Jack Hastings (Chris Cooper), fazendeiro da cidadezinha de Deerlaken, no Wisconsin, depois que seu vídeo no YouTube defendendo imigrantes em um debate na prefeitura viraliza pela internet. O objetivo de Zimmer é ampliar a base democrata, demonstrando que, mesmo no coração da chamada Middle America, tomada de votantes republicanos, existe salvação.
Ou, pelo menos, essa é a premissa. Afinal, o filme é camaleônico, mas não em um sentido muito positivo, já que, na medida em que a narrativa progride, ele vai perdendo sua qualidade de sátira da política bipartidária americana e embarcando em uma crítica sobre o processo eleitoral do país, ou, mais especificamente, das estratégias de obtenção de investimento privado para as campanhas eleitorais. Com essa gradativa transformação, o roteiro de Stewart não consegue fazer bem nem uma coisa, nem outra, especialmente quando ele literalmente decide equilibrar seu discurso, o que torna sua pegada muito em cima do muro demais, quase medrosa.
Se na meia hora inicial ver Zimmer adaptar-se à vida em uma cidadezinha onde todos se conhecem e onde sua chegada é automaticamente alardeada a todos os habitantes traz alguns bons momentos cômicos graças ao timing de Carell e a disposição de Stewart em pegar o estereótipo do almofadinha democrata de cidade grande e demoli-lo. Mas essa rotina logo perde o sentido quando o estereótipo do caipira interiorano republicano de cidade pequena também passa a ruir, com Stewart escrevendo um texto exageradamente cheio de “morde e assopra” que, pior ainda, começa a depender de monólogos aqui e ali para explicar, de maneira muito condescendente (algo que ele próprio condena explicitamente em determinado momento) como funciona a máquina política. É como se o roteirista e diretor tivesse escolhido cuidadosamente os elementos menos controversos de filmes como Mera Coincidência, Muito Além do Jardim e Conversa Truncada, dentre outros, colocado tudo em um liquidificador, adicionado duas partes de água e, depois, separado o resultado em porções iguais de críticas para cada lado do espectro político.
O resultado é simpático, não tenham dúvida, algo que se deve muito ao carisma de Carell e de Cooper, além da presença cada vez mais relevante de Mackenzie Davis como Diana, a filha do coronel, e de Rose Byrne como Faith Brewster, a versão republicana de Zimmer. Mas a estrutura aguada e nada corajosa, a necessidade estranha que Stewart tem em ser “bonzinho” com todo mundo e uma narrativa que mais parece ser uma sucessão de esquetes do Saturday Night Live intercalados por breves momentos didáticos que freiam a história para olhar para o espectador e explicar o que está acontecendo acabam tornando Irresistible apenas mais uma sátira política perdida em meio a tantas outras.
E o que torna tudo mais frustrante é que Stewart tem material e experiência cômica de sobra para passar sua mensagem sem precisar recorrer a platitudes políticas. Não que eu particularmente esperasse que o humorista, mesmo sendo um democrata anti-Trump inveterado, fosse passar toda a duração do filme batendo no atual presidente americano e nem que ele fosse olhar para o seio democrata e desmantelá-lo. Afinal, nada precisa ser tão radical assim para que um ponto seja provado, até porque seu objetivo é falar especificamente de um problema que é essencialmente apartidário, mas ele acaba trocando todas as farpas por flores. Se a ideia era criar algo equilibrado e imparcial, então ele esqueceu para que serve um filme.
Irresistible vale pelo charme e talento de seu elenco e pela comicidade especialmente de seu terço inicial, antes que o roteiro em velocidade de cruzeiro chegue com vontade. Stewart só precisava ter assumido o compromisso de ser tão explosivo quanto seu clássico programa televisivo para fazer o longa dar certo. Ao não seguir sua própria fórmula com sucesso mais do que comprovado, ele entrega uma obra sem fibra e sem vigor. Uma pena.
Irresistible (EUA – 26 de junho de 2020)
Direção: Jon Stewart
Roteiro: Jon Stewart
Elenco: Steve Carell, Rose Byrne, Chris Cooper, Mackenzie Davis, Topher Grace, Natasha Lyonne, Will Sasso, C.J. Wilson, Brent Sexton, Alan Aisenberg, Debra Messing, Christian Adam, Will McLaughlin
Duração: 101 min.