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Crítica | Inverno da Alma

A dificuldade de se reconhecer como parte de uma comunidade... e permanecer fiel a si mesmo.

por Rafael Lima
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As narrativas feitas no estilo Coming of Age geralmente giram em torno do amadurecimento de seus jovens protagonistas, que, quando confrontados com a realidade e responsabilidades da vida adulta, devem rever a sua visão sobre o mundo e sobre si mesmos. Parece estranho falar em jornada de amadurecimento quando nos referirmos a protagonista de Inverno Da Alma, uma garota de dezessete anos que basicamente cria sozinha os dois irmãos mais novos em uma região pobre e isolada do estado americano do Missouri, dominada pela criminalidade. Mas é justamente isso que o longa-metragem nos entrega, concentrando-se na relação dessa jovem com o meio onde vive, e no reconhecimento de que crescer, também significa entender a linguagem do mundo a sua volta, mas continuar fiel a si mesmo.

Na trama, Ree Dolly (Jennifer Lawrence), é uma garota de 17 anos, que vive com os seus dois irmãos mais novos de seis e doze anos de idade, Ashlee (Ashlee Thompson), e Sonny (Isaiah Stone). E com a mãe em uma pequena e isolada comunidade do Missouri. Como a sua mãe Connie (Valerie Richards) vive em estado semi-vegetativo devido ao uso de anfetamina, a garota acaba sendo a responsável por cuidar de sua família. Quando o pai de Ree, um pequeno traficante de anfetamina da região sai da cadeia após a sua fiança ser paga, dando a residência da família como garantia, e desaparece logo depois, a jovem tem apenas alguns dias para encontrá-lo e levá-lo para a sua audiência de custódia, antes que o estado tome o lugar onde a moça vive com a mãe e os irmãos, deixando-os na rua.

Comandado por Debra Granik, a partir de um roteiro escrito a quatro mãos pela própria diretora em parceria com Anne Rosellini, Inverno Da Alma, ainda que tenha uma duração relativamente curta, leva o seu tempo para construir o seu universo, apresentando os seus personagens e núcleos dramáticos aos poucos. Em um primeiro momento, o filme de Granik parece flertar com o thriller policial, enquanto acompanhamos Ree começar a visitar parentes e vizinhos das redondezas em busca de informações sobre o paradeiro do pai, apenas para encontrar respostas evasivas e agressivas. Logo torna-se evidente que o pai da garota está metido em coisa muito perigosa, o que, consequentemente, também a põe em perigo. Essa atmosfera soturna é reforçada pela fotografia cinzenta do projeto, que reforça os ambientes gélidos onde a história se passa.

A jornada de Ree logo revela que mais do que elucidar as circunstâncias suspeitas que envolvem o desaparecimento de seu pai, ela precisa resolver o seu papel e o de sua família dentro da comunidade onde vivem. Eu gosto de como o longa-metragem trabalha o fato de a personagem de Jennifer Lawrence ser uma garota muito madura para a sua idade, pela vida que foi obrigada a levar, mas que ainda continua sendo uma jovem que acredita em soluções simples para problemas complexos. A tentativa de Ree de se juntar ao exército em certo ponto do filme e receber o dinheiro do alistamento é um impulso de fugir da realidade que a cerca, mas ela inicialmente não pensa nas consequências imediatas dessa escolha, ou mesmo no fato de que é uma decisão que a força a fazer uma escolha.

O roteiro se esforça para nos mostrar o quão solitária a adolescente se sente no mundo, não podendo contar com a mãe, e não confiando em seu tio Teardrop e nem nas autoridades locais, até porque não tem mesmo motivo para confiar. Nesse sentido, Inverno Da Alma assume uma postura bastante pragmática para esse conflito, ao fazer a sua protagonista encontrar um equilíbrio entre manter-se fiel aos próprios princípios, e jogar pelas regras de sua comunidade para poder sobreviver. Isso não significa, entretanto, que a obra assuma uma postura completamente cínica, pois é somente através da determinação e do caráter de Ree que a sua violenta comunidade resolve colocar as diferenças e rancores de lado para dar à jovem o que ela quer, mesmo que por caminhos tortos.

Jennifer Lawrence antes de se tornar uma atriz pop dos anos 2010, constrói a sua Ree Dolly de forma bastante sutil, colocando toda a emoção da personagem em um olhar que parece sempre cansado e cheio de frustração, e gosto especialmente de como a moça mantém uma postura sempre tensa, parecendo relaxar apenas quando está na companhia de seus dois irmãos caçulas, onde pode demonstrar o seu lado mais tenro. Outro destaque do elenco é John Hawkes como Teardrop, o tio de Ree, que em um primeiro momento assume uma postura grosseira para o seu personagem, para ao longo da projeção ir expondo em pequenos gestos um carinho relutante, mas inequívoco pela sobrinha.

Inverno Da Alma é um drama Coming Of Age sombrio sem grandes pretensões e com uma trama relativamente simples, mas que é bastante competente na maneira como constrói o seu universo e em como o utiliza para dar suporte a jornada dramática de sua jovem protagonista. É um filme com uma condução muito discreta, talvez até discreta em demasia, faltando ao trabalho da diretora Debra Granik um momento de maior força para realmente deixar o longa-metragem na memória do espectador. Mas ainda assim, trata-se de uma película com atuações fortes de seu elenco, e com uma história cativante que tem algo a dizer, mostrando uma jovem já madura sendo forçada a amadurecer ainda mais, mas também mostrando que pode fazer aqueles à sua volta crescer um pouco, encerrando uma história até então bastante cínica com uma nota de esperança.

Inverno Da Alma (Winter’s Bone) – Estados Unidos. 2010
Direção: Debra Granik
Roteiro: Debra Granik e Anne Rosellini (Baseado em romance de Daniel Woodrell)
Elenco: Jennifer Lawrence, John Hawkes, Kevin Breznahan, Dale Dickley, Garret Dillahunt, Shelley Waggener, Lauren Sweetser, Ashlee Thompson, William White, Casey MacLaren, Isaiah Stone, Sheryl Lee, Tate Taylor, Valerie Richards
Duração: 100 Minutos

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