Robert Kirkman tem uma espécie de estrutura usada em Invencível que tem ficado cada vez mais clara para mim, manuseando o interno de Mark como exteriorização do tom da obra. O autor sempre dá momentos de respiro narrativo logo após situações bombásticas, um molde habitual em tramas, especialmente tratando-se de super-heróis, contudo, considerando o equilíbrio do mote juvenil com a crescente violência gráfica dos combates, percebe-se a manipulação de Kirkman da turbulência emocional do personagem de modo a delinear o caráter da história, principalmente nos diálogos.Como disse, existe uma serenidade antes da desordem fantástica, e, frequentemente, o artifício de quietação é empregado na esfera alvoroçada da juventude, submetido, como o próprio nome do volume expõe, Companhia dos Três, à relação de trio amoroso de Mark-Amber-Eve, extremamente bem montada ao longo do volume.
Primeiramente com uma viagem à África do casal feliz à Eve, praticamente uma das personagens mais apelonas da história dos quadrinhos considerando seus atuais poderes, já que, é exibido sua nova classe de habilidades de manipulação do átomo, podendo mudar a propriedade de qualquer coisa, material ou não, e, depois, com uma série de conversações isoladas conectadas ao desfecho dos eventos trágicos (retorno a essa questão num instante).
Essa primeira parte no continente africano é interessante no ímpeto de estabelecer os diferentes relacionamentos que Mark tem, ou poderia ter, com ambas personagens, e vice-versa com elas, construindo essa indecisão pessoal do protagonista entre a vida heroica e a particular misturada ao romance. Gosto bastante desse desenvolvimento, tanto pela narrativa geral da vida privada de Mark, sempre em evidência desde o primeiro capítulo, mas principalmente por essa abordagem de Kirkman de fragmentar a profissão de Invencível para uma divisão emocional do personagem.
Veja que essa sequência insana de eventos familiares terríveis na sua vida vão levando-o, como mecanismo de defesa, à reservar e omitir a dramaticidade cruel, focando na dramaticidade juvenil, e quando Angstrom Levy, o principal antagonista deste arco, ameaça e machuca sua mãe, estes sentimentos camuflados são exteriorizados com a única resposta imediata de Mark: violência. Notem como o próprio Levy nos diz isso, expondo a explosão fácil e a falta de cuidado do Invencível em outras dimensões, ainda ligando tais elementos à herança do pai, e do Império Viltrumita de certa forma.
Logo, o que vem à seguir constitui um dos momentos mais horrendos da jornada heroica de Mark: o assassinato de Levy. Daí, a reação natural do personagem é o choque, e o trauma instaurado imediatamente. E, após isso, quando ele retorna para casa e conversa com o criador de trajes heroicos, Art, qual é a urgência do desabafo? Os problemas amorosos. E quando perguntado sobre o episódio com Levy, o que ele faz? Omite. E a trama construída por Kirkman ocorre em paralelo à supressão emocional do personagem, pois, logo após o ato hediondo, e a reação traumática curta, o autor decide reiterar o mote romântico com a aparição da Eve futurista.
Acredito ter focado bastante nesta ideia de construção conjunta da atmosfera com o interno de Mark, contudo, acho incrível a elaboração de Kirkman ao vincular o tom da série com os sentimentos do personagem, manuseando muito bem os gêneros descompromissados de problemas comuns com a brutalidade da obra, mantida oculta, guardada, com pequenos momentos de explosão, que montam a maturidade de Mark na ambientação pungente. A cada arco o protagonista internaliza mais as barbáries, e a explosão violenta continua aumentando, enquanto o mote juvenil, aparentemente o foco de Mark, rapidamente tem se tornado uma superficialidade humana, o último resquício de uma vida normal, que ele tem agarrado com muita força, todavia, figura uma idealização cada vez mais distante da realidade do Invencível.
Invencível – Vol. 7: Companhia dos Três (Invincible – Vol. 7: Three’s Company) – EUA, 2006
Contendo: Invencível #31 a 35
Roteiro: Robert Kirkman
Arte: Ryan Ottley
Colorista: Bill Crabtree
Letras: Rus Wooton
Editora original: Image Comics
Data original de publicação: Maio de 2006 a setembro de 2006
Páginas: 162