Fique Esperto é um volume meio estranho. Inicialmente, Kirkman conta uma história bem diferente do grande épico espacial da Guerra Viltrumita, focando na vida cotidiana de Mark, seu relacionamento com Eve e alguns embates genéricos com vilões que roubam bancos. Confesso que é uma transição meio abrupta e, digamos, extremista do autor, saindo do escopo gigantesco para o meio familiar e rotineiro, especialmente pelo fato dos Viltrumitas na Terra nem serem citados. Mas também entendo a proposta, funcionando como um “respiro narrativo”, voltando às raízes mundanas que a série sempre prezou.
Nesse sentido, gosto dos desenvolvimentos domésticos no volume, especialmente na dinâmica entre Mark e Eve, algo que Kirkman estima no roteiro. É refrescante ver momentos e interações caseiras da dupla sem explosões ou mortes acontecendo a todo tempo. Além disso, temos situações ora cômicas, como a luta contra o peso de Eve e o casal jovem dormindo no quarto dos pais, ora representativos, como o melhor amigo de Mark assumindo ser gay, ora dramáticos, como na intensa sequência de Eve contando sobre seu aborto. É uma dimensão enganosamente banal que proporciona camadas de complexidade e empatia pelos personagens, uma ótica íntima que pode ser mais trágica que sangues e tripas, e que também oferece um tom descompromissado bem gostosinho de ler. Como bônus, o autor também aborda problemas no relacionamento de Robô e Garota-Monstro com leves doses de mistério, na frequente construção de subtramas do texto de Kirkman – eu estou relendo a série, mas não lembro o que aconteceu com o casal, então estou genuinamente curioso.
Paralelo ao enfoque nos problemas e nos momentos felizes dos pombinhos, Kirkman desenvolve uma linha de reflexão com Mark sobre suas ações heróicas. O autor já vinha abordando questões de heroísmo por uma perspectiva moral e, aqui, vemos uma ponderação em torno de resolver conflitos sem os punhos, e sim com conversações. Como sempre, não acho que Kirkman é um autor que se aprofunda demais em seus temas, até porque a série tem uma cara adolescente e clichê, mas sua abordagem continua sendo bem-executada, se aproximando de discussões realistas, inclusive tocando em questões ambientais e o velho questionamento se os fins justificam os meios.
Gosto especialmente do confronto entre Mark e o homem que matou a própria família, assim como a dinâmica cômica com o ladrão gênio que quer comprar um anel para a esposa. Como o título indica, podemos ver o amadurecimento de Mark e a sua visão mais complexa do manto e do que realmente significa ser um super-herói. Há, como falei, um caráter realista, reforçado pelas partes domésticas, se distanciando dos tons de sátira, homenagem e paródia que a série fazia em estágios iniciais – motivo pelo qual discordo de quem compara a obra com The Boys apenas pela violência gráfica.
No entanto, começo a ter problemas quando Mark solta o Dinosaurus e decide ajudá-lo. Acho interessante o herói questionar se as ações do antagonista em destruir Las Vegas por um “bem maior” foram eficazes a longo prazo, mas isso se configurar em atitudes irresponsáveis do protagonista me soou meio… súbito. Talvez uma mudança de personalidade e atuação repentina demais, com pouca construção orgânica. Por isso acho Fique Esperto um volume estranho, um tantinho abrupto na mudança de estilo do que vimos no volume anterior e também nas ações de Mark. Mas não se enganem, existe muita coisa boa aqui, desde as partes domésticas agradáveis e emocionais, até intrigantes debates sobre heroísmo.
Invencível – Vol. 15: Fique Esperto (Invincible – Vol. 15: Get Smart) – EUA, 2011
Contendo: Invencível #79 a 84
Roteiro: Robert Kirkman
Arte: Ryan Ottley
Colorista: Cliff Rathburn, FCO Plascencia
Letras: Rus Wooton
Editora original: Image Comics
Páginas: 198