- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica dos episódios anteriores.
Em um momento de A Verdade, episódio que encerra o primeiro ano de Invencível, Mark relembra sua jornada como herói, desde o momento que descobriu seus poderes até o sangrento combate com Omni-man. A inserção desse flashback do arco do protagonista tem o intuito de expor a proposta geral da série sobre o olhar pessimista, até realista, para a vida super-heroica. Acho a cena um pouquinho expositiva e mastigada demais no sentido de exteriorizar uma (des)construção do gênero já desenvolvida com naturalidade, mas ela resume o grande discurso deste episódio: a destruição do heroísmo no campo do otimismo.
O tom duplo do show, mais descompromissado e pueril no âmbito escolar e na euforia inicial da descoberta de poderes, e posteriormente engolido pela violência no combate ao crime, recebe seu ponto máximo da quebra de realidade para Mark no discurso de Nolan sobre suas verdadeiras intenções como Viltrumita, tendo recebido a missão de assimilar nossa cultura, fraquezas e costumes, e preparar a Terra para seu sangrento império interplanetário. O que se segue são vinte minutos de pura tortura física e emocional na batalha entre Mark e seu pai, no qual a violência corporal à Mark é quase que um pequeno incômodo se comparado à morte alheia.
Nolan utiliza o combate como meio de demonstrar a superioridade dos Viltrumitas e a insignificância dos terráqueos através de uma sucessão de ataques completamente sanguinolentos à pessoas aleatórias. A experiência de assistir o sadismo de Nolan recebe diferentes camadas, como o óbvio choque, especialmente na bárbara cena do metrô, a incompetência de Mark frente a destruição, temática abordada múltiplas vezes no conflito entre a maneira esperançosa que enxergava o manto e a realidade da incapacidade e falhas que acompanham o heroísmo, mas é, principalmente, um evento épico sobre o humano, em toda sua fragilidade e beleza.
Isso é melhor visto na sensacional complexidade do arco de Nolan que reside no confronto entre dever e humanidade, recebendo um curioso toque de empatia com o flashback de Mark jogando beisebol. É interessante como acabamos de ter uma sequência hostil e brutal proporcionada pelo personagem, e ele se encontra esmurrando o próprio filho até a morte, mas sua reação ao discurso de Debbie no passado e à vitória pessoal de Mark compõem um momento genuinamente tocante do personagem. Nolan existe enquanto vilão e também como humano, pois a narrativa de Invencível ignora o rótulo para se ter a complexidade característica dessa raça tão determinadamente chamada de inferior pelo algoz.
A homenagem ao herói é mantida como foco do episódio, visto no enfrentamento de Mark apesar das adversidades, e também com os Guardiões do Globo, mas as facilidades e otimismo que acompanham o gênero, especialmente pensando no heroísmo clássico e na visão eufórica de um adolescente que ganhou poderes, são destruídas, negligenciadas e extinguidas numa gama de violência sádica, não gratuita, mas como elemento narrativo de desenvolvimento do arco derrotista do não-Invencível. O bacana da série é isso, pois continua sendo uma ode ao heroísmo, mas oferece seu diferencial ao demonstrar com a violenta sátira que ser herói não é fácil. Bem longe disso, na verdade.
A segunda metade do episódio final é composta por uma vasta quantidade de epílogos e elaborações para tramas posteriores da já renovada obra, o que termina roubando o ritmo e o sentimento de impacto anterior, mas também funciona narrativamente como a visão realística de como esses personagens reagiriam à traição de um ícone, amigo, marido e pai exemplar. Além disso, a animação continua sendo inconsistente, a despeito do esmero técnico nos momentos chocantes da batalha final. E cabe aqui um elogio às atuações de J.K. Simmons e Steven Yeun, que dominam a dramaticidade e emoção da desmantelada relação entre pai e filho com cada frase pérfida ou comovente. O humano é abordado em diferentes aspectos neste episódio, o cruel, o belo, o companheiro e o decepcionante, e o heroísmo é componente essencial dessa natureza falha. Mark aprendeu isso da pior maneira possível, e nós também.
Invencível – 1X08: A Verdade (Invincible – 1X08: Where I Really Came From) – EUA, 30 de abril de 2021
Criado por: Robert Kirkman, Cory Walker, Ryan Ottley
Direção: Jeff Allen
Roteiro: Simon Racioppa
Elenco: Steven Yeun, Sandra Oh, J.K. Simmons, Jason Mantzoukas, Gillian Jacobs, Zazie Beetz, Walton Goggins, Grey Griffin, Kevin Michael Richardson, Zachary Quinto, Chris Diamantopoulos, Melise, Khary Payton, Ezra Miller, Andrew Rannells, Jonathan Groff, Mark Hamill, Ross Marquand, Seth Rogen
Duração: 46 min.