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Crítica | Invasão Secreta – 1X03: Betrayed

Sombras do passado.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Existe uma espécie de ditado que corre pelas lojas de quadrinhos sobre as duas grandes editoras de super-heróis: DC é sobre deuses tentando ser humanos e a Marvel é sobre humanos tentando ser deuses. Existe verdade nisso. Uma passada rápida pelas páginas de Grandes Astros ou uma olhada no catálogo inchado do “bat-universe” vai deixar claro que os principais personagens da DC parecem membros de um panteão, independente de quais sejam os poderes. Já a Marvel sempre preferiu personagens mais próximos dos seus leitores, como se seus heróis fossem pessoas normais que tropeçaram no fantástico, como Peter Parker, os X-Men, Demolidor e afins. Não podemos generalizar, claro, mas é dessa forma que sempre me senti como leitor assíduo e consumidor pouco saudável de ambos os universos.

Qual é a razão desse preâmbulo em uma crítica de Invasão Secreta (?), meu caro leitor pode estar se questionando agora. Bem, o MCU, e particularmente Kevin Feige, entendiam muito bem essa ideia de “humanos tentando ser deuses” no início deste universo compartilhado gigantesco, com histórias humanas sobre personagens falhos, imperfeitos e empáticos tentando alcançar algo maior do que eles mesmos, algo que, na minha opinião, começou a ser perdido ali em Capitã Marvel e tem tornado as histórias do MCU cada vez mais distantes do público, mais tonalmente e infantilmente cômicas do que empaticamente simpáticas. O retorno a esta “gênese” de identidade tem sido uma das razões que tenho apreciado a série de Nick Fury, retratando o personagem como alguém falível, cansado e fora do jogo.

Quer dizer, deem uma olhada nos acontecimentos de Betrayed. Fury é obrigado a pedir desculpas em três cenas diferentes, sendo chamado de inútil e cutucado em tantas feridas que é difícil não sentir compadecimento pelo protagonista. É também engraçado, se me permitem total honestidade, algo caracterizado nas pequenas explosões de Fury e suas alfinetadas com Talos. Pisam nele, atacam seu ego e orgulho, colocam o personagem para refletir seus erros e dependências, e, ao final, temos até metáfora do personagem limpando cocô de cachorro, em um diálogo que parece ter saído direto da literatura de espionagem e procedurais policiais. Essa desconstrução do espião onisciente através da sua rede de lacaios é de se admirar, com destaque para a paciência do seriado em mostrar o personagem em momentos “ordinários”, como a cena com Rhodes e o abraço confortável de sua esposa nos episódios passados, até as brigas com Talos e Priscilla no episódio da semana.

A concepção de um thriller de espionagem ajuda nessa abertura temática, trazendo sobriedade e uma qualidade fundamentada à história, com Betrayed mantendo o destaque a muitas cenas de diálogos bem-escritos e eloquentes ditando o ritmo bem-composto e a escala menor da produção, que se desenrola em carros, galerias de arte, bunkers e casas. Até penso que essa abordagem beneficiou o unidimensional Gravik esta semana, podendo expressar um pouco mais de emoção no confronto cara-a-cara com Talos. A cena inclusive tem uma conversação bem interessante sobre o pensamento gritantemente rebelde do antagonista e a versão pacífica de Talos, ambos com diferentes níveis de ingenuidade.

No entanto, por mais que concorde com meu colega Ritter Fan e tenha ficado entusiasmado com os dois episódios iniciais, Betrayed me mostra uma trajetória preocupante para o thriller de espionagem em si. Primeiro que temos algumas citações a heróis poderosos e Super Skrulls, o que pode indicar um desfecho “épico” que contradiz a linguagem da produção. E, mais preocupante do que isso, a narrativa de paranoia e traições se tornou extremamente óbvia no episódio, com a total previsibilidade da armadilha de Gravik com G’iah, que por sua vez é estranha considerando o quanto ele sacrifica para descobrir uma evidente traidora, e o estabelecimento ruim do ataque nuclear, trabalhado sem senso de clímax. Não há tensão ou suspense nas “reviravoltas” telegrafadas da história, e pouca construção de momentum e escalonamento para o desenrolar da sequência em si, com muitos dos “espiões” soando até incompetentes ao longo da história. A própria morte de G’iah, apesar de corajosa (se ela morreu mesmo), é quase indiferente na direção do episódio, pela falta de uma construção narrativa mais inteligente.

Por mais madura que Invasão Secreta possa se vender esteticamente e tonalmente, falta mais perspicácia e ambiguidade para desenvolver uma história de espionagem que realmente seja um thriller. Vemos essa limitação, também, em como o lado político não tem efeito para além de contexto e como o campo interno dos rebeldes Skrulls não é verdadeiramente incorporado ao enredo, deixando tudo um pouco mais superficial e genérico do que poderia ser como teste de gênero. Porém, mesmo com esses problemas narrativos e um certo teto para o que a minissérie deve oferecer enquanto produto de um thriller de espionagem, continua sendo uma bem-vinda férias da fatiga de filmes de heróis com as mesmas características, bem como uma história relevante enquanto retrato da obsolescência de Nick Fury. É uma história de um “deus caído” ou apenas um velho homem poderoso aprendendo humildade através de suas próprias falhas? Acredito mais na segunda opção, e espero que Fury continue se frustrando tentando chegar a este patamar, para que “sua guerra” seja perdida ou pelo menos vencida sem um herói particular saindo por cima com tapa-olho.

P.s.: O Ritter Fan, responsável pelas críticas da série, foi sequestrado pelos Skrulls e teve que se ausentar momentaneamente, então vocês terão que aguentar meus textos inferiores por enquanto. Mas, se tudo der certo, ele estará de volta para o final da minissérie.

Invasão Secreta – 1X03: Betrayed (Secret Invasion – EUA, 05 de julho de 2023)
Desenvolvimento: Kyle Bradstreet
Direção: Ali Selim
Roteiro: Brian Tucker
Elenco: Samuel L. Jackson, Ben Mendelsohn, Kingsley Ben-Adir, Emilia Clarke, Olivia Colman, Killian Scott, Samuel Adewunmi, Dermot Mulroney, Richard Dormer, Charlayne Woodard
Duração: 57 min.

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