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Crítica | Interestelar (Trilha Sonora Original)

por Lucas Nascimento
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estrelas 5,0

Desde que Christopher Nolan trabalhou com Hans Zimmer em sua trilogia Cavaleiro das Trevas, o diretor britânico não desgrudou mais do talentoso compositor alemão. Além dos três filmes do Batman, Zimmer emprestou seus acordes bombásticos para A Origem, o vindouro filme de guerra Dunkirk e, claro, o tema deste post: o fantástico Interestelar, que não só é a melhor trilha sonora que já compôs em sua carreira, mas também uma das icônicas e belas que o século XXI ouviu nos cinemas.

E para entendermos todo o significado que a trilha carrega, é necessário debruçarmo-nos sobre o processo criativo da dupla. Nolan não acredita no processo de acrescentar música ao filme já pronto, sendo um forte defensor da colaboração musical logo no estágio inicial da pré-produção. Dessa forma, quando o diretor abordou Zimmer com sua ideia radical, ele lhe entregou um envelope apenas com o núcleo central de Interestelar: uma fábula sobre um pai e sua filha. Apenas posteriormente Nolan revelaria que tratava-se de um épico espacial com viagens espaciais e portais extradimensionais…

O resultado do experimento é o que vemos na trilha sonora como Day One, uma referência direta ao primeiro encontro dos dois para discutir a trilha. É uma simples e minmalista melodia de piano que logo transforma-se no tema central para a relação de Cooper e sua filha Murph, rendendo uma série de acordes mais épicos e dramáticos posteriormente. É triste, mas ao mesmo tempo esperançosa, especialmente pela entrada das cordas em sua metade final. Em seguida, Zimmer surgiria com a ideia de usar o órgão de tubo (aqueles gigantescos encontrados em igrejas antigas) para o principal instrumento da trilha, não só por ir atrás de novos sons, mas também pela importância do instrumento na História da Ciência.

O álbum se desperta mesmo com a tranquila Dreaming of the Crash, que traz inesperados efeitos sonoros de trovões e chuva em sua abertura (todos que assistiram ao filme entenderam a referência, claro), para logo depois dar voz ao suave som do vapor sendo soprado do gigantesco órgão de tubos, assemelhando-se ao barulho de vento e poeira sendo gentilmente carregados até termos a primeira e longuíssima nota de órgão para enfim finalizar nossa imersão naquele universo. O órgão retorna imediatamente na magistral faixa seguinte, Cornfield Chase, tocada durante a perseguição no milharal em que Cooper e seus filhos encontram um drone descontrolado. A melodia do órgão é muito mais forte aqui, e seus movimentos contínuos oferecem uma imersão quase que espectral na música, algo realmente místico e aventureiro. Comos se Zimmer capturasse o som das estrelas em uma faixa musical. Veríamos esse mesmo acorde mágico em S.T.A.Y.Where We’re Going, posteriormente no álbum.

A próxima faixa é Dust, uma mistura interessante de sopros e cordas que é muito eficiente em construir um mistério quase místico em torno das descobertas de Cooper.

Quando estamos no espaço, Zimmer revela seu lado Ligeti. Message from Home é mais uma composição minimalista e, vejam bem, silenciosa. São basicamente duas notas de piano, uma pesada e outra estendida, passando a sensação de solidão e distância que os astronautas experienciam nos primeiros anos da jornada. Aproximando-se do primeiro buraco de minhoca, The Wormhole é mais sombria e assustadora, definitivamente abraçando o estilo de Ligeti de forma mais relaxada, construindo a antecipação da chegada da nave com um coral peculiar. Quando a Endurance finalmente adentra a passagem extradimensional, o órgão de tubo grita em uma arrepiante nota estendida que joga o espectador no mistério.

Expectativa e antecipação marcam uma das melhores faixas da trilha: Mountains, para a sequência da equipe no primeiro planeta a ser explorado. Aqui, Zimmer adota um efeito sonoro similar aos ponteiros de um relógio, que vão sistematicamente surgindo com 60 batidas por segundo, enquanto o órgão vai oferecendo notas mais sutis e suaves; a mixagem da faixa é notável, já que o volume vai gradativamente aumentando de acordo com a tensão da cena, crescendo o órgão na revelação das ondas gigantescas. Também é inteligente que as batidas de relógio vão ficando mais intensas com o desenrolar da música, uma decisão muito apropriada considerando que a equipe tenta sobreviver em um ambiente no qual o tempo se desenrola muito mais rápido do que o da Terra.

Passando todo o maravilhamento e tensão do espaço, retornamos à Terra de forma dramática com Afraid of Time, que nos apresenta à uma Murph adulta e em parceria com o Professor Brand para resolver a equação da gravidade que permitirá a saída de pessoas do planeta. Zimmer retoma o tema de Day One em um rimo mais lento e com notas de piano bem mais agudas, não deixando de transparecer uma certa melancolia em sua presença – e também permite uma conexão com a versão criança de Murph, dada a delicadeza do acorde. Essa sensação transforma-se em desespero com A Place Among the Stars, quando Murph descobre a verdade sobre os experimentos de Brandt.

Então chegamos ao optimus magnus. A grande obra prima da trilha sonora de Zimmer, quando quase todos os elementos anteriores do álbum combinam-se para uma espetacular criação: Coward. Uma das grandes marcas estilísticas da carreira de Christopher Nolan é o intenso uso da montagem paralela, especialmente para cenas de ação. Na sequência em questão, acompanhamos a traição do Dr. Mann ao mesmo tempo em que o restante da equipe corre para salvar Cooper e Murph busca um meio de invadir a casa de seu irmão, na Terra. São ações distintas em planetas diferentes, amarradas muito bem pela montagem de Lee Smith e a espetacular música de Zimmer.

A introdução se dá por meio de batidas abstratas similares ao relógio de Mountains, mas pendendo para um lado mais soturno ao trazer uma inesperada flauta que parece nos dar uma ideia do estado mental de Mann (curioso que, no mesmo ano, Zimmer tenha usado uma nota distinta de flauta para Electro, outro personagem claramente desequilibrado). À medida em que a violência aumenta, o órgão vai surgindo aos poucos com notas curtas, apenas para finalmente explodir em seu magistral tema estendido que viria servir outra maravilhosa faixa, No Time for Caution (na inebriante cena da acoplagem giratória)O restante da faixa de 8 minutos acelera o órgão, que fornece uma tensão absurda para a sequência de eventos que encerra essa porção da história.

Não encontrarão essa faixa no álbum tradicional, mas a versão deluxe da trilha traz a fantástica Imperfect Lock, uma música de 7 minutos que é uma das melhores representações musicais de tensão que já ouvi na vida. São diversos instrumentos de corda em um ritmo lento que vai crescendo, à medida em que o Dr. Mann tenta acoplar sua nave à Endurance; a faixa é um excelentíssimo substituto para o som, que abraça o vácuo do espaço na torturosa sequência.

Adentrando na finalização do álbum, a última grande faixa é Detach, quando Cooper e Brandt enfim adentram o buraco negro de Gargantua. É uma faixa gritante que retoma o majestoso e dramático tema de Stay, com os violinos e órgão dando força ao desfecho da jornada. Enfim, tudo é levado para Where We’re Going, que compila basicamente todo o trabalho de órgão que havíamos visto até então, com ênfase para o ritmo rápido introduzido em Cornfield Chase e explorado com mais misticidade em S.T.A.Y.

Não tenho dúvidas de que esta é uma das grandes obras de trilha sonora do século XXI, conferindo o ápice da colaboração entre Christopher Nolan e Hans Zimmer. É assombroso que Interestelar não tenha faturado o Oscar nesta categoria (foi um grande ano, mas de qualquer forma…), mas acredito que a História fará justiça a este impecável trabalho com potencial de clássico e a habilidade de nos levar às estrelas.

Interstellar: Original Motion Picture Soundtrack

Composto e conduzido por Hans Zimmer
Gravadora:
WaterTower
Estilo: Trilha Sonora
Ano: 2014

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