Quem é o verdadeiro monstro predador desta produção? Nicolas Cage, um caçador de comportamento machista animalesco e caricato ou a fera raríssima capturada numa floresta sul-americana e levada para um navio cheio de animais selvagens traficados? Essa é uma pergunta pontual que devemos nos fazer ao assistir Instinto Predador, aventura com elementos dos filmes de ação hollywoodianos das décadas de 1980 e 1990, tendo ainda como adicional, fragmentos do subgênero horror ecológico, numa perspectiva tão turbinada quanto Serpentes a Bordo. Em seu histórico de bastidores, a produção ficou engavetada por longos 22 anos e só ganhou espaço na cultura do entretenimento em 2019, sob a direção de Nick Powell, cineasta que toma como ponto de partida para o comando da aventura, o roteiro de Richard Leder, um mote dramático com potencial para ser divertido e dinâmico, mas que infelizmente se tornou um filme arrastado.
Ao longo de seus 97 minutos, acompanhamos o grosseiro Frank Walsh (Cage), caçador mergulhado além do pescoço na ilegalidade dos animais que apanha e trafica, nas imediações florestais do Amapá, aqui no território brasileiro. A sua mais nova conquista é uma onça-albina muito rara, capturada e levada numa jaula para o Porto de Santana, tendo em vista ser vendida para um zoológico em outro continente. A sua ação seguiria a normalidade do crime em suas veias, mas novos desafios são implementados quando ele descobre que na mesma embarcação está um perigoso serial killer, Richard Lofller (Kevin Durand), enjaulado como o felino que embarca na mesma seção do navio. Sob o comando da Dra. Ellen (Famke Janssen), o predador humano é cínico e tenta se articular o tempo inteiro com os demais tripulantes, numa iniciativa para escapar.
Chamado de gato fantasma, a espécie vem acompanhada de serpentes, araras, papagaios e outros tantos animais carregados de nosso território para ser mercadoria de entretenimento para colecionadores e amantes de espécies em extinção. O problema, óbvio, é a esperteza excessiva do criminoso que consegue dar um jeito de escapar, tal como a fera astuta. Agora, a tripulação precisa garantir a sobrevivência diante de tantos animais perigosos soltos, juntamente com um predador racional que não poupará munição dos revólveres e as lâminas de aço das armas brancas que aparecem pelo caminho quando o assunto é ceifar as vidas que se impõem como obstáculos para a sua jornada de libertação e possível retorno ao crime. A mescla de elementos é divertida e interessante, numa versão menos claustrofóbica do já mencionado Serpentes a Bordo, tão exagerado quanto Instinto Predador, mas superior em eficiência na direção e nos personagens.
Na produção, para reforçar os velhos estereótipos cinematográficos sobre o nosso país, os brasileiros ganham uma representação caricata e atrasada, terra que na visão dos idealizadores é apenas selva e animais selvagens. O caçador de Cage, munido dos animais para vender para um zoológico de Madri, carrega no desempenho dramático asqueroso de um beberrão descuidado, homem supostamente sem alma, mas que carrega algumas gramas de dignidade dentro de si. No passado, ele atuou num trabalho formal e tinha uma vida menos pregressa, mas estragou tudo, etc. A marmelada que já conhecemos neste segmento de produção, isto é, o preenchimento de dramas humanos que não importam quando o que queremos ver é a sequência de ataques dos animais. Há ainda a clássica subtrama de uma criança que perde o pai e precisa de proteção, além da mulher altiva que reage durante os acontecimentos, mas depende do anti-herói de Cage para ser salva dos predadores selvagens que circundam pela embarcação.
Ademais, Instinto Predador investe em efeitos visuais, mas os resultados não são os melhores. Há alguma realidade e aproximação do felino com o magnetismo da tela, mas a equipe de VFX, supervisionada por Walt Jones, carece de um pouco mais de cuidado na elaboração computadorizada da fera, firme no design de som de Sean Gray, mas um tanto artificial quando contemplada pela direção de fotografia de Vern Nobles. O bicho aqui está longe de ser uma das aberrações ao estilo The Asylum, mas também peca pela sua construção mediana. A trilha sonora de Guillaume Rousell emprega um tom aventureiro, descerebrado depois que a ação se intensifica, mas nada que seja memorável na história da textura percussiva de um filme do estilo. O design de produção de Kevin De La Cruz acerta na concepção dos espaços e nas contribuições cenográficas para a circulação dos homens e animais que driblam diversos obstáculos e buscam garantir a sobrevivência no bojo desta narrativa que é bem a “cara” do Nicolas Cage contemporâneo
Instinto Predador (Primal- Brasil/Estados Unidos, 2020)
Direção: Nick Powell
Roteiro: Richard Leder
Elenco: Nicolas Cage, Famke Jassen, Kevin Durand, John Lewis, Joseph Oliveira, Tom Walker, Jeremy Nazario
Duração: 97 min.