No mesmo ano de uma das melhores versões cinematográficas do romance Drácula, de Bram Stoker, realizada por Francis Ford Coppola, os vampiros estavam nas telas do cinema diante do engajamento de outro renomado cineasta: John Landis, conhecido por sua abordagem peculiar da licantropia em Um Lobisomem Americano em Londres, investiu seu intelecto e talento para Inocente Mordida. Na trama, acompanhamos elementos que pavimentam a trajetória dos vampiros desde as suas primeiras representações na literatura, mas com um adicional modernizado, com uma protagonista sedenta por sangue, no entanto, focada em aniquilar a escória da sociedade, ao invés de se alimentar de pobres inocentes trabalhadores, dentre outros. Em seu lançamento, alguns produtores decidiram exibir o filme com o subtítulo Uma Vampira Francesa na América, postura que teria irritado o cineasta que achou um abuso tal jogada de marketing considerada oportunista. Independentemente das histórias de dentro e de fora dos bastidores, esta é uma interessante narrativa de vampiros que deveria ser mais conhecida, talvez menos acessível por causa de sua linha dramática fora dos padrões convencionais.
Ao longo de seus 100 minutos, Inocente Mordida nos apresenta dois caminhos narrativos em simbiose: a parte cômica, deliciosamente fundida com a tensão dramática eficiente, estabelecida pelo roteiro de Michael Wolf, responsável por associar a base estrutural dos filmes de máfia com as histórias de vampiros, criaturas da noite sugadoras de energia, neste caso, o sangue, substância que segundo o escritor irlandês criador do monstro mais conhecido da literatura vampírica, é “vida”. Como sabemos, na mitologia destes seres, é preciso tomar a vida do outro para a manutenção da sua. Sem isso, torna-se impossível continuar a trajetória pela existência eterna. Assim, é isso que a protagonista Marie (Anne Parillaud) faz todas as noites. Ela sai em busca desta fonte de energia cotidianamente, enquanto atravessa a sua solidão em Pittsburgh, região conhecida como “território italiano” na Pensilvânia, uma cidade dominada por mafiosos.
Em seu projeto, por sua vez, como já mencionado, a moça pretende exaurir uma gangue de mafiosos liderada por Sallie (Robert Loggia), um grupo que toca o terror na cidade, bem mais que a criatura sobrenatural em cena. Confrontos constantes e muitas emoções começam a ocorrer depois que uma de suas ações é interrompida como havia sido planejada. Sua discrição vai por água abaixo depois que a tentativa de se alimentar e eliminar acaba vampirizando o personagem e, neste processo, criando uma legião de vampiros dentro do esquema de mafiosos inicialmente selecionados para sumir. Para conseguir levar adiante a sua batalha, ela precisará da ajuda de Joe (Anthony LaPaglia), um policial disfarçado no bando, homem com quem também desenvolverá uma relação afetuosa peculiar, envolta em medo e desejo por parte de ambos. A dupla se unifica e, entre tiros, beijos e sexo, batalham contra um exército de imortais.
Realizado após uma fase mais sólida na carreira de John Landis, o filme conta com a participação de Sam Raimi, Frank Oz e da famosa Linnea Quigley, uma das atrizes que assumiu o posto de “rainha do grito” em tramas de terror do passado. Os planos intimistas ficam por conta de Mac Ahelberg, diretor de fotografia, eficiente em seu trabalho de captação de imagens pelos espaços concebidos por Richard Sawyer, design de produção. Em suas cenas noturnas, iluminação, quadros, cenografia e direção de arte são devidamente estabelecidos para o devido desenvolvimento dos momentos de tranquilidade e ação da trama. Outro ponto que merece destaque é o eficiente uso da sonoridade de um felino em momento de ataque pelo design de som, ao representar a sensação de fome, ódio e ânsia pelo macabro nas ações dos vampiros. A trilha sonora de Ira Newborn não é inesquecível, mas também funciona conforme o necessário.
Interessante que, diante da consciência do que estava em desenvolvimento, os realizadores inserem um número considerável de referências do universo vampiresco, dentre as mais especiais, O Vampiro da Noite, com o icônico Christopher Lee, bem como Pacto Sinistro, de Alfred Hitchcock, e as figuras ficcionais rotineiramente diante da televisão, contemplando filmes. Ademais, temos as críticas tecidas em meio aos momentos de intensidade, sendo o destaque, os mafiosos como vampiros que sugam a realidade social e estabelecem o caos, num mundo de morte e drogas. Em Inocente Mordida, temos também uma curiosa passagem de personagens atormentados, impactos pela realidade que encadeia uma série de situações inesperadas de violência, mesmo que muitos deles já estejam acostumados a lidar friamente com a morte. Aqui, até mesmo a protagonista vampira precisa enfrentar as surpresas diante de acontecimentos tão fantásticos quanto a sua própria existência, arrastado para algo que não estava em seus planos e que, neste processo, pede novos rumos, num desenvolvimento que sacode os personagens da dinâmica interna do filme, sem deixar de motivar nós espectadores.
Drácula de Bram Stoker (Innocent Blood, EUA – 1992)
Direção: John Landis
Roteiro: Michael Wolk
Elenco: Anne Parillaud, Anthony LaPaglia, Robert Loggia, David Proval, Rocco Sisto, Chazz Palminteri, Tony Sirico, Kim Coates, Leo Burmester, Angela Bassett, Luis Guzmán, Don Rickles, Sam Raimi, Dario Argento, Linnea Quigley, Rick Avery, Bob Minor, Michael Ritchie, Frank Oz
Duração: 100 min.