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Crítica | Infidelidade (2002)

Diane Lane no comando.

por Ritter Fan
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Depois de uma segunda adaptação do romance Lolita, de Vladimir Nabokov, Adrian Lyne partiu para sua única efetiva refilmagem de obra cinematográfica em sua carreira, de Stephane (ou Mulher Infiel), longa de 1969 do diretor e roteirista francês Claude Chabrol. Infidelidade é surpreendente pela forma como mantém a estrutura da obra original, mas, ao mesmo tempo, conseguindo trazê-la para tempo presente, ainda que a história em si seja universal e atemporal, resultando em um filme que não é muito lembrado na filmografia do cineasta britânico, mas que acabou sendo seu último como diretor por nada menos do que 20 anos, até retornar com Águas Profundas, em 2022, tematicamente semelhante.

Na história, Constance “Connie” Sumner (Diane Lane, estonteante), casada com Edward (Richard Gere), mãe do jovem Charlie (Erik Per Sullivan) e moradora do interior de Nova York, em uma belíssima casa, começa a ter um tórrido caso de amor com Paul Martel (Olivier Martinez), homem mais novo que ela conhece por acaso durante uma ventania em Manhattan. Não demora, e seu marido começa a desconfiar que há algo de errado com sua esposa e ele vai vagarosamente se aproximando da verdade, com consequências drásticas para eles. É, para todos os efeitos, um roteiro que segue caminhos conhecidos, mas que se destaca por fazer da infidelidade não algo que resulta de um casamento em frangalhos, mas sim algo que simplesmente acontece.

É interessante notar, aliás, que raramente pensamos nas causas de casos extramaritais no audiovisual quando o homem é o infiel, provavelmente por pensamentos inconscientemente machistas embutidos no imaginário popular. Afinal, é quase que uma “obrigação” do homem envolver-se com outras mulheres se a oportunidade surgir, sendo ele feliz ou não em seu casamento. Mas, aqui, a lógica é invertida e a mulher é a adúltera, mas sem que haja algo em seu relacionamento com Edward que a impulsione para tomar essa decisão para além de algo de momento, de impulso. Lyne, com sua elegância de sempre, sabe lidar como poucos com essa situação, construindo um crível caso de amor – talvez mais paixão, diria – que divide a personagem de Diane Lane entre duas vidas, uma de aventuras e novidades na cidade grande e outra de calma e rotina no interior, mas ambas, ao que tudo indica, igualmente preciosas para ela.

Essa divisão somada ao espaço que o roteiro de Alvin Sargent (dois anos antes de embarcar em três filmes seguidos do Homem-Aranha) e William Broyles Jr. (dois anos antes de co-escrever O Expresso Polar) cria para Connie é o grande trunfo da película, pois entrega de bandeja todas as oportunidades do mundo para Diane Lane brilhar. E brilhar ela brilha ao ponto de sua performance ter sido merecidamente lembrada – ainda que não premiada – com as indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar de 2003, além de uma infinidade de outras organizações menores. Lane é o verdadeiro coração de Infidelidade com seu trabalho sutil que nos convence de cada passo que sua Connie dá, seja em sua dedicação ao marido e ao filho e à vida doméstica como um todo, seja em seu turbilhão de sentimentos urgentes e sexualmente carregados por Paul (há algumas sequências eróticas que começam, de longe, a se parecer com as de 9 1/2 Semanas de Amor, mas que Lyne sabe parar antes de ficar fora de tom).

Por outro lado, tanto Olivier Martinez e Richard Gere decepcionam em seus trabalhos, o primeiro mais parecendo o arquétipo do amante francês, sem qualquer tentativa de imprimir camadas (culpa também do roteiro, claro) e o segundo caminhando pelo cenário no automático. Apesar de ser natural não esperar nada de Martinez, considerando sua carreira pouco destacada, não se pode dizer o mesmo de Gere que, mesmo nunca tendo sido um grande ator, já mostrou muito mais qualidade dramática em obras como Uma Linda Mulher, As Duas Faces de um Crime e também no premiado Chicago, do mesmo ano. É bem verdade que a cena de sua explosão violenta inaugurando o último terço da projeção é excelente, mas reputo sua eficiência muito mais ao trabalho de Lyne do que do ator.

Falando em último terço, esse é o ponto em que o roteiro revela cansaço. Obviamente, o longa caminha para seu encerramento, mas o caminho tomado é lento e um tanto quanto cheio de conveniências aqui e ali, além de diversas cenas que pouco acrescentam à narrativa, deixando evidente que havia espaço para uma montagem mais precisa e enxuta que encerrasse a obra com algo como 20 ou 25 a menos do que acabou tendo, mais ou menos com a mesma duração do longa de Chabrol, aliás. No entanto, gosto muito da versão de Lyne para o final ambíguo do diretor francês, pois ele consegue ao mesmo tempo ser respeitoso ao material fonte e diferente dele, com um toque daquela atmosfera sempre desafiadora que Lyne sabe criar em suas obras.

Infidelidade é um bom exemplar de refilmagens extemporâneas, com Adrian Lyne impondo seu estilo e a sua pegada a um material clássico que bebe inteligentemente de um sem-número de situações clichê para criar uma ambientação que ilustra bem que traições amorosas não precisam de gatilhos dentro do relacionamento original para acontecerem. Não é o longa mais desafiador do britânico para servir de começo de seu hiato de duas décadas, admito, mas ele conta com outra performance primorosa de uma atriz sob seu comando, talvez até mesmo a melhor atuação feminina de sua filmografia, o que definitivamente não é pouca coisa.

Infidelidade (Unfaithful – EUA, 2002)
Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Alvin Sargent, William Broyles Jr. (baseado em roteiro original de Claude Chabrol e Sauro Scavolini)
Elenco: Richard Gere, Diane Lane, Olivier Martinez, Erik Per Sullivan, Chad Lowe, Dominic Chianese, Erich Anderson, Michelle Monaghan, Kate Burton, Margaret Colin, Željko Ivanek, Michael Emerson, Damon Gupton, Joseph Badalucco Jr.
Duração: 124 min.

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