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Crítica | Inferno (1911)

Lugar de tormento.

por Luiz Santiago
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Existem duas adaptações italianas do Inferno, de Dante, lançadas em 1911. A primeira delas, que estreou em janeiro, é um ótimo curta-metragem dirigido por Giuseppe Berardi e Arturo Busnengo. A despeito do pouco tempo de duração e das limitações orçamentárias, o curta conseguiu um resultado admirável em termos de produção. Já a segunda, é o excelente longa-metragem que analiso na presente crítica, lançado em março de 1911 e dirigido por Francesco Bertolini, Adolfo Padovan e Giuseppe de Liguoro. Aqui, mergulhamos em uma das primeiras grandes criações imagéticas baseadas num dos maiores clássicos da literatura Ocidental, um marco histórico que delineou os primeiros contornos do cinema como arte narrativa longa. Neste filme, considerado o primeiro longa-metragem italiano a sobreviver ao tempo, os diretores empregaram uma visão verdadeiramente inovadora ao buscar inspiração direta nas ilustrações de Gustave Doré, transpondo para a tela uma estética já carregada de forte simbolismo e intensidade dramática.

Desde a cena inicial, no bosque, o espectador compreende o terror psicológico que Dante experimenta ao encontrar as figuras do Tigre, do Leão e da Loba. Estas criaturas, que não apenas tentam infligir medo, mas simbolizam os próprios pecados que o conduzem ao inferno, tornam-se uma metáfora do dilema humano e do inevitável confronto com nossas falhas. A transição da floresta para os círculos infernais é conduzida com uma escolha visual que, embora seja rústica na montagem (como o restante do filme, para ser sincero), tem funcionalidade. Os cenários, criados com a direção de arte de Francesco Bertolini e Sandro Properzi, são hipnotizantes, funcionando como um portal direto para a atmosfera de desespero e tormento do texto original.

Embora limitada, para os padrões contemporâneos, a estrutura narrativa do longa é complementada por sua audácia em representar visualmente passagens que eram consideradas impossíveis de transpor para o cinema naquela época. O momento mais marcante, talvez, seja o clímax em que Brutus, Cassius e Judas Iscariotes são mastigados pelas três cabeças do Diabo. Aqui, a escolha de retratar os maiores traidores da história com crueza serve como reflexão direta sobre o peso da traição no imaginário moral da humanidade, e também funciona como última grande imagem horrenda vista por Dante em sua jornada infernal.

O que mais impressiona na película não é apenas a fidelidade à essência do texto de Dante, mas a grande escala da produção. Embora seus efeitos e técnicas de filmagem sejam rudimentares, eles exalam uma ingenuidade criativa que trazia a essência experimental da Sétima Arte na década de 1910. Para o período, empreender uma obra com mais de 1h de duração, repleta de cenários muito complexos e dinamismo de ação dos figurantes, representou uma aposta ousada que moldaria o futuro do cinema. Sua fragilidade técnica reforça a coragem de abraçar o impossível. E pode-se afirmar que essa adaptação influenciou tanto o cinema europeu — especialmente na Itália, que em 1914, lançou Cabíria, considerado o primeiro épico genuíno — quanto Hollywood, ao estimular os estúdios a investirem em narrativas mais longas e ambiciosas, algo que alcançaria um marco definitivo em 1915, com o lançamento de O Nascimento de uma Nação.

No entanto, é importante reconhecer que a narrativa sofre de inconsistências em seu ritmo (especialmente na passagem de um círculo a outro e nas histórias de flashback dos condenados), culminando em um final relativamente abrupto. O impacto de Inferno vai além de sua importância histórica ou de suas inovações. Ele nos lembra, sobretudo, da capacidade do jovem cinema de capturar e traduzir a essência de grandes obras literárias. Através da sua combinação de horror, simbolismo e ambição visual, a obra eterniza a visão de Dante e nos desafia a confrontar nossos próprios medos e anseios a partir do imaginário mítico cristão. Mesmo mais de um século depois de sua estreia, Inferno ainda impressiona pela beleza de sua construção visual e pelo caráter do horror que expõe.

Inferno (L’inferno) — Itália, 1911
Direção: Francesco Bertolini, Adolfo Padovan, Giuseppe de Liguoro
Roteiro: Dante Alighieri
Elenco: Salvatore Papa, Arturo Pirovano, Giuseppe de Liguoro, Pier Delle Vigne, Augusto Milla, Attilio Motta, Emilise Beretta
Duração: 71 min.

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