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Crítica | “Imunidade Musical” – Charlie Brown Jr.

por Kevin Rick
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Eu tenho a habilidade de fazer histórias tristes

Virarem melodia, vou vivendo o dia a dia

Na paz, na moral, na humilde

Busco só sabedoria, aprendendo todo dia

Imunidade Musical é um álbum de transição para a banda Charlie Brown Jr., que após desavenças entre os integrantes originais Renato Pelado (bateria), Champignon (baixo) e Marcão Britto (guitarra) com o complicado vocalista Chorão, viu o grupo se desmanchar. Como frontman da banda, Chorão trouxe o baterista André Pinguim Ruas e o baixista Heitor Gomes para se juntar a ele e Thiago Castanho, o único remanescente de formações anteriores além do cantor. Apesar das adversidades, o resultado é um dos melhores e mais lembrados álbuns da banda, que com o absurdo número de 22 faixas traz uma experiência musical diversificada e marginalmente poética.

Antes de cantor e instrumentista, Chorão é um letrista com urgência de exorcizar seus demônios e exteriorizar suas visões sociais no papel. Como Cazuza e Legião Urbana, a banda santista se consagrou no imaginário brasileiro com a parte lírica da sua discografia, e se Renato Russo era um professor, e Cazuza um rebelde, o Marginal Alado sempre me soou como um observador. Um olheiro periférico social que busca na sua música um senso de pertencimento para os excluídos, os exilados e os socialmente marginais. Seu vocal seco, meio rouco e até deselegante em canções de hardcore, além do seu estilo rimado e rapper de cantar, personifica essa identidade pessoal adjacente.

A vinheta introdutória Too Fast Live Too Young Too Die, de apenas 40 segundos, é uma pequena faixa basicona de hard rock que estabelece o quadro geral de Imunidade Musical em torno de um tom pesado, meio som de banda de garagem, relacionando-se ao universo marginal, já representado na canção seguinte, No Passo A Passo, que versa sobre o mundo skatista. Outras músicas do álbum seguem essa toada metal como É QuenteOnde Não Existe A Paz Não Existe O AmorLiberdade Acima de Tudo e Onde Está O Mundo Bom? (Living In LA), cheia de viradas de bateria, algumas com toques de Nu Metal, guitarras distorcidas e letras focalizadas na opressão social do marginal, dos loucos. Músicas pancada mesmo, e com costuras autobiográficas de Chorão como “Se quiserem me internar não deixem/Deixem me exercer minha loucura em paz”. Todas essas faixas aceleradas funcionam na estética proporcionada pela persona errática de Chorão, e também de grande parte de seu público, mas acabam sendo genéricas. Majoritariamente, a melodia ocorre em torno da explosão da bateria e um baixo acelerado, mas a musicalidade se torna repetitiva. Muitas delas soam quase iguais. Não chegam a serem ruins, bem longe disso, mas acredito que Imunidade Musical é mais poderoso quando assume outra abordagem.

Quando Chorão é calmo, sereno, acompanhado de um rock leve, meio pop até, ou às vezes um violão com acordes simples, meio acústico, Imunidade Musical mostra sua principal força nas melodias pacíficas e nas composições poéticas de Chorão. Com um linguajar urbano e rimado, o compositor se torna um observador da vida, eternamente à procura da felicidade, da sanidade e da paz interna. O que dizer de Aquela Paz? Uma canção que surpreende pelo belíssimo violino que acompanha a melancolia da letra em “Ouvi dizer que só era triste quem queria”. É simples, mas é genuíno, sensível, tocante de um jeito revelador, como a tristeza interna do artista, para bem ou para mal, sempre foi capaz de evocar.

E nosso Marginal Alado se prova um romântico incurável em Lutar Pelo Que É Meu, um pop rock com um refrão chiclete e uma deliciosa guitarrinha distorcida; Ela Vai Voltar é outra canção amorosa, uma carta de paixão ao feminino no arranjo simplório do violão – como o Chorão combina com esse som acústico! – e a letra pueril; por fim, Senhor do Tempo, minha segunda música favorita do álbum, traz o âmbito do relacionamento como a solução dos problemas mundanos, o aprendizado do tempo quando Chorão diz “Hoje eu sei realmente o que faz a minha mente” e logo depois “Agradeço todo tempo por ter encontrado você”, no amor como um meio de salvação da sua loucura, tudo acompanhado de um tecladinho em harmonia com a guitarra lenta. Quando Charlie Brown Jr. é sossegado, contemplativo, podemos ver a poesia urbana de Chorão.

Existem também outras músicas desgarradas no álbum, como a versão reggae de Pra Não Dizer Que Eu Não Falei Das Flores, uma música de Geraldo Vandré contra o armamentismo e a guerra. Ou então o hip-hop latino de Green Goes, que também puxa a temática marginal, só que para o âmbito cultural latino-americano. E o rap de Na Palma da Mão, com uns elementos de soul (?) com um saxofone, e uma batida até africana. É uma salada total! O rock pesado manda, seguido das músicas mais românticas e introspectivas que citei, mas Charlie Brown Jr. mergulha na experimentação, trazendo elementos de reggae, blues – O Nosso Blues – e hip-hop.

Imunidade Musical fecha com a maravilhosa Dias de Luta, Dias de Glória, outra música com um arranjo mais simples, puxando uma melodia sossegada, um tantinho melancólica, mas novamente poderosa na composição reflexiva do Chorão sobre as lutas diárias dele, do marginal, dos loucos, e de todo mundo com uma história. O guerreiro, no sentido amplificado para “nós”, é um tópico singular do álbum, da banda e, claro, de Chorão. Acredito que o álbum não é perfeito, principalmente nas várias faixas explosivas, mas quando a música para, respira e lentamente acompanha as composições do Chorão – e também de Thiago Castanho -, temos um poeta que observou, entendeu e soube falar sobre a vida como poucos. Infelizmente, o artista não viveu segundo suas palavras sensíveis, mas sua obra está eternizada.

Aumenta!: Aquela Paz, Senhor do Tempo, Green Goes
Diminui!: Peso Da Batida Do Errado Que Deu Certo
Minha Canção Favorita do Álbum: Dias de Luta, Dias de Glória

Imunidade Musical
Artista: Charlie Brown Jr.
País: Brasil
Lançamento: 23º de Agosto de 2005
Gravadora: EMI
Estilo: Rock alternativo, skate punk, rap rock, hardcore melódico

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