Go ahead, make my day.
– Callahan, Harry
E, finalmente, os anos 80 chegaram para Harry, o Sujo no quarto e penúltimo longa da franquia e o único dirigido pelo próprio Clint Eastwood. Seguindo o mote da época, o anti-herói ganha um upgrade em termos de exageros bélicos, com o uso de uma ridiculamente enorme pistola .44 AutoMag cromada que, em determinada altura da fita, substitui seu já avantajado revólver Magnum Modelo 29, sua arma padrão, mas, diferentemente do que a década “exigia”, o personagem em si e sua história permanecem dentro do que a série de filmes sempre estabeleceu, ou seja, uma pegada razoavelmente realista e sem pirotecnias características de continuações hollywoodianas.
O roteiro de Joseph Stinson tem como foco primordial – mas não único – a investigação de Callahan sobre um assassinato em tese desimportante em São Francisco em que a vítima foi alvejada primeiro nos genitais e, depois, na cabeça, conforme vemos em uma sequência discreta que já revela a assassina: Jennifer Spencer, vivida por Sondra Locke, então casada com Eastwood. Sendo perseguido pela máfia local e por uma trinca de delinquentes cujo chefe foi libertado porque Harry não recolhera provas legalmente, o detetive é basicamente enviado para longe por seu chefe, parando na cidade fictícia de San Paulo, onde a vítima aparentemente tem conexões. Lá, outras vítimas começam a aparecer mortas da mesma maneira e ele, então, parte para a montar o quebra-cabeças.
O mistério das motivações de Jennifer não se mantêm por muito tempo, com o espectador já conseguindo juntar as peças e perceber que ela e sua irmão foram, há 10 anos, vítimas de estupro por uma gangue da mencionada cidadezinha e ela, agora, busca vingança no melhor estilo Desejo de Matar. Curiosamente, a premissa dessa história nasceu de um roteiro criado para um filme protagonizado com Locke, mas que, depois, foi adaptado para uma história de Dirty Harry e isso garantiu que Jennifer ganhasse bastante espaço na narrativa, estabelecendo-se como mais uma forma de relativizar o vigilantismo. Sem justiça para o que ocorreu – e há uma boa explicação para isso ao longo do filme – seria aceitável, em situações extremas como essa, esse tipo de atitude?
É talvez uma pena que o roteiro não tenha sido exclusivamente focado nesse caso, já que o filme, apesar de não ser muito longo, emprega um bom tempo para encaixar Harry na história, primeiro fazendo-o ficar enraivecido pela absolvição, por uma tecnicalidade, do marginal que ele prendera e que passa a persegui-lo, depois, como de praxe, levando o protagonista a impedir um assalto ao fuzilar diversos bandidos em uma lanchonete onde tem a oportunidade de soltar seu chavão mais famoso (esse que usei na abertura da presente crítica) e, finalmente, em uma sequência que, admito, é de um humor negro delicioso, com a morte de um mafioso em pleno casamento da filha em razão de uma visitinha de Harry. O problema é que essas linhas narrativas são completamente soltas e não muito bem utilizadas, já que elas servem, apenas, de estímulo para Harry ser enviado em uma missão qualquer longe de São Francisco. Se a sequência da lanchonete é, de certa forma, marca registrada dos filmes da série, as demais parecem marretadas na narrativa unicamente para poder justificar artificialmente a presença de Harry ali, já que a história de “Dirty Harriet” já era suficientemente interessante por si só.
Dito isso, Eastwood compensa os problemas de roteiro com a direção mais preocupada com a imagem de seu personagem de todos os filmes até agora. Usando muito contraluz, muitos ângulos baixos para tornar Harry mais ameaçador do que já é, e carregando a progressão narrativa de um número significativamente maior de mortes variadas, o cineasta consegue criar momentos realmente memoráveis que, mesmo sete anos após o filme anterior da franquia, conseguem amplificar ainda mais a mística ao redor de seu policial truculento. Além disso, ele não se furta de deixar os holofotes mirados em Locke que, mesmo nunca tendo se provado um atriz mais do que mediana, convence em seu papel duplo de vítima e algoz.
Por outro lado, a gangue de estupradores é tão genérica quanto os terroristas de Sem Medo da Morte, mas a costura de uma outra camada ali relacionada com o chefe da polícia local, de certa forma justifica o uso de arquétipos de marginais, de forma que o filme não se perca em meio a vários personagens relevantes, já que há, também, a introdução de Horace (Albert Popwell em seu quarto e último papel diferente na série), policial amigo de Harry que o presenteia com nada menos do que um simpático buldogue que Harry carinhosamente batiza de Meathead. Eastwood toma certas liberdades com a geografia da cidadezinha, criando situações de extrema conveniências como o envolvimento romântico de Harry com Jennifer e os minutos finais que exigem um grau maior de suspensão da descrença, mas, no geral, seu trabalho é competente por saber criar um conjunto razoavelmente coeso para uma história repleta de “pequenos” episódios que antecedem a investigação central.
Impacto Fulminante não é exatamente o melhor filme de Dirty Harry, pois esse troféu permanece com o original, Perseguidor Implacável, mas ele sem dúvida é o que mais se aproxima do pódio por não ter vergonha de retornar o personagem à sua glória carrancuda e eliminadora de marginais e por criar uma antagonista que consegue não só cativar o espectador, como atrair merecidamente os holofotes para si mesma. Sem dúvida um filme de brucutu oitentista, mas sem dúvida também um digno exemplar da série.
Impacto Fulminante (Sudden Impact, EUA – 1983)
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Joseph Stinson (baseado em história de Earl E. Smith e Charles B. Pierce e personagens criados por Harry Julian Fink e Rita M. Fink)
Elenco: Clint Eastwood, Sondra Locke, Pat Hingle, Bradford Dillman, Paul Drake, Albert Popwell, Audrie J. Neenan, Jack Thibeau, Michael Currie, Michael V. Gazzo, Mark Keyloun, Kevyn Major Howard, Bette Ford, Nancy Parsons
Duração: 117 min.