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Crítica | I’m Going to Tell You a Secret

por Leonardo Campos
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Em Na Cama com Madonna, um dos documentários mais rentáveis da história do cinema, Madonna escandalizou a sociedade com as polêmicas que gravitavam em torno da sua carreira no começo de 1990. Depois de provar para o mundo o seu magnetismo diante do público, a artista encarou trabalhos mais encorpados como Like a Prayer e Vogue, trazendo à baila discussões sobre cultura gay e religião, temas que passaram, desde então, a fazer parte da agenda da “Rainha do Pop”.

Sob a direção de Alek Keshishian, Madonna rodou o planeta e registrou os bastidores, as melhores performances e os acontecimentos paralelos à turnê Blond Ambition: as provocações ao catolicismo, tendo dois shows cancelados na Itália; uma roda de Verdade ou Consequência, com direito a simulação de sexo oral com uma garrafa e um longo beijo gay entre dois dançarinos; além da polícia ameaçando prendê-la em uma das suas apresentações no Canadá, caso a artista não cortasse a ousada apresentação de Like a Virgin, uma representação do desejo feminino que envolvia o direito da mulher de “tocar” em seu corpo em busca de prazer.

O tempo passou e Madonna resolveu produzir outro documentário, dessa vez, sob a direção do eficiente Jonas Arkelund, conhecido por trabalhos no campo do videoclipe. O filme tinha em mira a estrutura de Na Cama com Madonna, mas desta vez, focava no lado espiritualizado, maduro e político da artista. Sendo assim, I´m Going to Tell You a Secret é um documentário sobre a evolução de um personagem: Madonna, uma artista pop, digamos, diferenciada.

O filme começa com Madonna e seu produtor musical discutindo passagens do Velho Testamento. São trechos recitados pela cantora na abertura do show. Para Madonna, a “besta”, entidade evocada para criar a atmosfera apocalíptica do espetáculo, é uma metáfora para o mundo de ilusões onde vivemos, para o caos da guerra e dos problemas sociais que acometem o planeta. Ao empregar um tom de voz sério e centrado, a abertura reforça o caráter de “diversão + reflexão” que envolve a turnê. Logo depois dessa “fofoca sobre Deus”, termo utilizado pela cantora para falar sobre o bate papo com o produtor musical, somos apresentados aos testes com os dançarinos que a acompanharão nos espetáculos da Reinvention-Tour.

As alfinetadas ao catolicismo estão mais divertidas do que nunca. Segundo Madonna, “é muito fácil, você peca, vai à Igreja e o padre te perdoa, não há entrega, não há estudo das suas atitudes”. No show, há outro momento refletindo religião de uma maneira mais geral. A artista explica para os dançarinos que religião, de alguma forma, significa compartilhamento. Os dançarinos sobem ao palco vestidos com trajes das mais variadas manifestações religiosas do mundo, e em determinado momento retiram estes trajes, numa representação metafórica da tensão que há entre os grupos religiosos que disputam as “suas verdades”.

No segmento político, Madonna critica o governo Bush e é recebida de maneira dividida pelo público e pela crítica. De acordo com alguns depoimentos registrados no final de um espetáculo em Nova York, “ela deveria deixar a política de fora”. “Eu vim aqui para ver um show, não uma convenção democrata”, reclama um rapaz. Já Michael Moore, inimigo em grande escala do governo estadunidense daquela época, elogia Madonna, alegando que ela precisa fazer isso em seus shows, pois possui grande poder como formadora de opinião.

Há ainda um trecho sobre a importância do voto. Madonna afirma que as pessoas se enganam por achar que estão sendo cuidadas pelos seus respectivos governos. Nos bastidores, promove uma campanha sobre a responsabilidade do voto, pois nos Estados Unidos não é algo obrigatório.

Não sinto falta de ser uma idiota”, declara Madonna, referindo-se provavelmente ao seu posicionamento desrespeitoso com os membros da equipe e demais pessoas que passaram por sua vida ao longo de uma carreira que já passa de três décadas. Verdade ou representação? Não sabemos, mas como estamos dentro de uma narrativa fílmica, tudo é possível. Pelo roteiro do filme, podemos afirmar que sim. Há, como pedem os manuais clássicos de criação de personagens, uma artista mais madura e consciente, formadora de opinião e ciente da responsabilidade perante o mundo. Como reza a boa e velha cartilha cristã, “todos merecem uma segunda chance”. Madonna teve a dela e soube aproveitar muito bem com este documentário.

Para provar isso, os envolvidos na produção resolveram deixar um bom espaço do filme para a relação da artista com o pai. No filme anterior, Na Cama com Madonna, o Sr. Ciccone se mostrou escandalizado com os excessos da filha nos palcos. Em I´m Going to Tell You a Secret, ele declara que a filha passou pelo processo natural de amadurecimento e hoje é motivo de orgulho, pois pela força de persuasão adquirida no bojo da cultura, a sua filha pode influenciar os fãs e outras pessoas a realizar coisas que melhorem o mundo.

As mensagens são bonitas e bem orquestradas, mas também ajudam na publicidade da Madonna “reinventada”, não sendo fruto apenas de uma pessoa “gente boa” que quer mudar o mundo. É tudo isso em um pacote. Mais uma vez, Madonna utiliza alguns trechos em preto e branco para as situações de bastidores, da representação do “real”, deixando o colorido para alguns trechos especiais e para as performances eletrizantes: Vogue, Hollywood, Holiday, American Life e Nobody Knows Me são algumas das apresentações disponíveis para deleite dos fãs e aferição dos espectadores.

Ao longo dos 120 minutos de duração, o documentário traz a participação especial do cineasta Michael Moore, o irreverente Iggy Pop, responsável por abrir um dos espetáculos na Europa, além de uma breve aparição da atriz Gwyneth Paltrow. Guy Ritchie, diretor de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, marido da artista na época, possui grande participação na produção, pois acompanhou a esposa durante vários shows.

A produção encerra com a visita de Madonna a Israel, para uma conferência sobre a paz mundial num evento chamado Spirituality for Kids. Este segmento é montado em conjunto com uma belíssima apresentação de Imagine, com direito a uma homenagem a John Lennon e montagem similar aos documentários de Michael Moore: cenas de guerra, sofrimento, dor, fome, uma espetacularização da miséria e do caos que acometem o mundo contemporâneo. Realidade e encenação se misturam em prol de uma produção dinâmica e muito bem registrada e montada, sendo talvez um dos melhores trabalhos realizados por Madonna ao longo de toda a sua extensa carreira.

I´m Going to Tell You a Secret (Estados Unidos, Canadá e Europa – 2006)
Direção: Jonas Arkelund
Roteiro: Madonna
Elenco: Madonna, Christopher Ciccone, Dona Delory, Guy Ritchie, Michael Moore, Gwyneth Paltrow
Duração: 120 minutos

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