Assistir Ida é como olhar uma foto antiga com rostos desconhecidos e aprender suas histórias. É a partir desse impulso curioso que a jovem noviça, primeiramente conhecida como Anna, encontra os fragmentos da 2° Guerra Mundial, ao sair do convento onde cresceu. Dessa forma, faz sentido a escolha do diretor e roteirista, Pawel Pawlikowski, de filmar em preto e branco. Isso aproxima a história de uma sensação de aceitação perante o imutável.
Este é um filme que vai para trás no tempo e para dentro dos conflitos internos, sem buscar escapatórias fáceis. A órfã é estimulada a procurar a única parente viva, a tia que não quis ficar com ela, antes de fazer os votos de castidade. Deste encontro surge uma descoberta que leva a uma jornada de reconhecimento para ambas. Encarar esse passado cheio de vestígios doloridos interfere na maneira de lidar com as escolhas de futuro na Polônia dos anos 60. E, embora o silêncio esteja presente em grande parte do filme, a música salta para amenizar a solidão.
Ao som de jazz e músicas polonesas, a narrativa ganha uma roupagem romântica e brinda o roteiro com nuance e sutileza. Diante do embalo da música Naima de Coltrane, Ida começa a experimentar os questionamentos necessários para fortalecer uma decisão sobre a vida reclusa no convento.
A atuação da atriz, Agata Trzebuchowska, que interpreta a freira judia tem grande efeito. Com olhos expressivos o diretor consegue arrancar toda a inocência e a maturidade da personagem. Mas a atriz que interpreta a tia, Agata Kulesza, é tão eficaz quanto, ao se entregar à tristeza sem cair no abismo da apatia. É uma linha tênue percorrida pela personagem, o que a torna carismática e forte. Ela é quem impulsiona a sobrinha a testar seus limites e ela mesma encontra os seus próprios.
As cenas, em formato mais estreito na telona, evidenciam o cuidado e a sensibilidade do diretor ao enquadrar grandes espaços de tal maneira que se torna possível amputar o excesso e mostrar apenas a presença do vazio em relação às personagens, que estão determinadas a iniciar uma busca pelo que perderam. Na tela elas estão sempre devidamente posicionadas e a composição das cenas acentua a beleza de situações rotineiras e sem grande excitação, o que condiz com a narrativa simples e sincera. É um filme que cala e reflete.
Roteiros sobre o nazismo geralmente ganham notoriedade no cinema. E por ser um dos momentos de maior terror coletivo na história da humanidade é de se esperar que seja inesgotável as impressões e arranhões que permanecem na sociedade até hoje. Assim, Ida traz uma perspectiva nova, por ser particular, diante da perseguição aos judeus.
A direção de Pawlikowski se distancia dos campos de concentração e vai para a esperança de sobreviver no esconderijo ao relento. Não várias vidas e sim uma família. Não o todo, mas o detalhe e mais que isso a continuação do que passou.
Compreender ou aguçar a curiosidade sobre o que se passa na mente e no coração de pessoas que não sentiram na pele o mesmo sofrimento daqueles que amavam, mas que ainda assim carregam marcas indeléveis e mudas é o grande peso deste filme. Marcas gravadas em preto e branco.
Ida (Polônia, Dinamarca, França, Reino Unido, 2013)
Direção: Pawel Pawlikowski
Roteiro: Pawel Pawlikowski, Rebecca Lenkiewicz
Elenco: Agata Kulesza, Agata Trzebuchowska, Dawid Ogrodnik, Jerzy Trela, Adam Szyszkowski, Halina Skoczynska, Joanna Kulig, Dorota Kuduk, Natalia Lagiewczyk, Afrodyta Weselak, Mariusz Jakus, Izabela Dabrowska, Artur Janusiak
Duração: 82 min.