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Crítica | Horrorstör: Um Romance, de Grady Hendrix

O horror de uma vida aprisionada.

por Ritter Fan
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Se tem uma coisa que eu sempre detestei, mesmo quando criança, são loja de departamentos, aquelas enormidades intermináveis que vendem praticamente de tudo, de cosméticos a móveis de casa. Eu tinha que ser arrastado por meus pais e avós por essas lojas quando elas existiam na cidade em que vivo e, hoje, quando viajo, passo longe de todas elas que ainda sobrevivem em algumas grandes cidades do mundo. Mas o corolário desse meu desgosto por esse tipo de loja é que ele se espalhou para shopping centers – basicamente a mesma coisa, só que reunindo lojas diferentes sob um mesmo teto – e, claro, aquelas monumentais lojas de móveis de casa e/ou de material de construção como IKEA, Tok&Stok, Leroy Merlin e assim por diante.

Grady Hendrix, em seu primeiro romance de destaque, deve partilhar desse meu ódio, pois ele arquitetou uma história de horror passada quase que exclusivamente dentro de uma IKEA da vida que, em seu livro, se chama ORSK, um monumento ao consumismo exacerbado que funciona como cassinos, verdadeiras armadilhas para desnortear os consumidores e mantê-los no frenesi de compras de coisas que não precisa como o Narrador de Clube da Luta faz com catálogos. No romance, publicado originalmente no formato quadrado justamente para emular um catálogo da ORSK, com direito a móveis modulados com nomes pretensiosamente chiques oferecidos pela loja fictícia marcando cada capítulo, com direito a imagens dos produtos e uma descrição de suas funções.

Na história, Amy e Ruth Anne, duas funcionárias da loja em questão, são selecionados pelo gerente Basil para os três passarem uma noite por ali para investigar atos de vandalismo. A narrativa é contada eminentemente sob o ponto de vista de Amy, completamente desgostosa com seu trabalho e que se sente completamente sem rumo na vida, trabalhando na ORSK muito mais por falta de alternativas ou de vontade de procurar alternativas do que por qualquer outro fator. Não demora e a trinca se depara com uma outra dupla de funcionários – dois namorados – que também tiveram a ideia de pernoitar na loja, mas cujo objetivo é filmar “eventos paranormais” que eles têm certeza que acontecem por ali e que explicam os tais atos de vandalismo, como pichações no banheiro e assim por diante. Com isso, está montada a estrutura clássica de livros e filmes de horror, com um grupo pequeno de jovens confinados em um ambiente estranho tendo que lidar com um mistério que não compreendem.

Hendrix é um autor muito criativo, mas sua criatividade não vem exatamente do lado do horror de seus livros, por mais irônico e até incongruente que isso possa parecer já que este é o gênero principal sobre o qual ele escreve. O que quero dizer é que seu apuro narrativo não vem das situações paranormais que cria, pois elas são, em linhas bem gerais, mundanas, nada realmente que não tenha sido escrito ou filmado antes centenas de vezes. A criatividade dele vem da forma como ele usa elementos de nosso cotidiano para fazer críticas ferozes ao nosso modo de vida ou como ele materializa lendas urbanas. Se em O Exorcismo da Minha Melhor Amiga, palidamente adaptado para o audiovisual em 2022, ele fez uma ode irônica à futilidade da vida escolar adolescente nos anos 80, em Nós Vendemos Nossas Almas ele desenvolveu brilhantemente os mitos ao redor de bandas de heavy metal. Em Horrostör, ele lida com o consumismo, misturando transportando o conceito de casa mal-assombrada para lojas de departamentos e com a vida sem vida que muitos vivem em trabalhos que são apenas subsistência, sem nenhum traço de satisfação pessoal.

Portanto, o que realmente importa no livro é como Amy praticamente se arrasta pelos corredores da ORSK durante o dia e como, durante a fatídica noite em que precisa ficar por lá, ela vê sua vida perdida sendo refletida no lado sobrenatural que acaba ganhando forma na narrativa, criando um paralelo interessante entre trabalho e prisão, entre uma vida vivida no automático e vidas perdidas no confinamento. Em outras palavras, o grande mistério por trás dos atos de vandalismo que Basil investiga nada mais é do que um reflexo da própria ORSK e, em grandes pinceladas, da sociedade como um todo. Não é que o lado sobrenatural não funcione por si só, pois ele funciona, mas ele fica muito melhor quando visto como um comentário a tudo o que veio antes de esse aspecto tornar-se mais saliente no romance.

Horrostör é uma história sobre a claustrofobia da vida, sobre as paredes que se fecham ao nosso redor, deixando-nos sem saída, sem escolha e sem nenhuma vontade de fazer alguma coisa para evitar isso. No processo, Grady Hendrix não deixa pedra sobre pedra no que se refere à vida de grandes corporações, ao nosso hábito de comprar mais, mais e mais sem realmente precisar como uma forma de encontrar algum tipo de prazer. O horror do livro surge com força quando finalmente notamos que ele não é mais do que um reflexo de muitos aspectos de nossas próprias vidas. Se antes eu detestava lojas como a ORSK, agora tenho verdadeiro pavor!

Horrorstör: Um Romance (Horrorstör: A Novel – EUA, 2014)
Autor: Grady Hendrix
Editora original: Quirk Books
Data original de publicação: 23 de setembro de 2014
Páginas: 240

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