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Crítica | Horizon: An American Saga – Capítulo 1

Um filme que quer ser série.

por Ritter Fan
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Parece que 2024 será lembrado como o ano em que os filmes de longa gestação de cineastas megalômanos finalmente foram lançados nos cinemas e fracassaram retumbantemente. Depois de quase 50 anos repletos de obstáculos quase intransponíveis, Francis Ford Coppola, injetando muito de seu próprio dinheiro, colocou Megalópolis nas telonas, para uma recepção fria do público e da crítica. Antes disso, no verão americano, e com menos destaque da mídia internacional, Kevin Costner, que também investiu seu próprio dinheiro no projeto (mas menos do que Coppola), faria o mesmo com seu épico de faroeste Horizon: An American Saga, imaginado como uma série de quatro filmes de pelo menos três horas de duração cada um e que começou a ser ruminado há quase 40 anos.

O primeiro capítulo de Horizon, porém, teve uma estreia acanhada somente nos cinemas principalmente nos EUA e no Canadá, o que fez com que a Warner revisasse seus planos de distribuição em outros territórios e segurasse o lançamento do segundo capítulo que só viu a luz do dia no Festival de Veneza e, quando da publicação da presente crítica, está programado para ser lançado nos cinemas americanos em algum momento em 2025, isso se não for destinado exclusivamente para o streaming. Costner, famoso por envolver-se em produções gigantescas com resultados financeiros muito ruins – Waterworld e O Mensageiro vêm logo à mente -, tentou aproveitar que sua reputação como ator estava em alta em razão do gigantesco sucesso de Yellowstone, série do cada vez mais expansivo Sheridanverso, e abraçou com vigor sua obsessão e, depois de quase 20 anos sem dirigir (o ótimo, mas completamente esquecido Pacto de Justiça foi seu último trabalho nessa cadeira), ele retorna para mais um faroeste, desta vez tentando contar uma história que se passa ao longo de 15 anos antes, durante e depois da Guerra Civil americana.

Só a descrição de projeto já torna evidente a ambição desmedida de Costner. Afinal, imaginar quatro filmes longos com um elenco gigantesco para contar uma história não baseada em material anterior (o que ajudaria no reconhecimento) de um gênero cinematográfico com pouca tração perante o público em geral é quase que a definição de insanidade em Hollywood. Mesmo que o material que ele escreveu ao lado de Jon Baird com base em história concebida pelos dois e mais Mark Kasdan fosse absolutamente sensacional e irretocável, são raríssimos os casos em que narrativas contadas ao longo de diversos filmes lançados no cinema acertam o alvo. E, sendo muito sincero, o material que Costner coloca em tela neste Capítulo 1 está longe – bem longe – de ser absolutamente sensacional e irretocável.

Na verdade, a concepção de Horizon: An American Saga foi completamente equivocada. Não é que o filme seja ruim, pois não é, mas ele jamais deveria ter sido um filme para começo de conversa. Se a remontagem de filmes para serem lançados posteriormente em formato de minissérie não é exatamente uma prática comum, mas que existe por aí, como classicamente aconteceu com O Poderoso Chefão e O Poderoso Chefão: Parte II, que foram aglutinados e convertidos em série, com Os Oito Odiados, que ganhou uma versão estendida em capítulos lançada no Netflix dos EUA e, muito recentemente, com Austrália, que foi “transformado” em Bem-Vindos à Austrália e lançado no streaming, Horizon: An American Saga – Capítulo 1 é um dos mais raros casos ainda em que ele deveria ter sido uma série desde o começo. É uma experiência no mínimo estranha trafegar pelo mais novo trabalho de Costner, pois tudo grita série ou minissérie, seja o escopo, a quantidade de personagens, as linhas narrativas e a própria decupagem e montagem.

Pode não parecer, mas isso faz gigantesca diferença. As linguagens são diferentes. A estrutura narrativa é diferente. Os próprios enquadramentos são diferentes. E isso considerando que vivemos em um mundo em que Cinema e TV estão convergindo com força, vejam bem, pois mesmo nele, essas diferenças que separam uma mídia da outra mantem-se em algum grau. Como exemplo do que quero dizer, imaginem uma sinopse de Horizon e tentem sair de algo amplo como “a história da expansão para o oeste” e falhem miseravelmente. Tentem encontrar um protagonista e deparem-se com cinco, seis, talvez até sete candidatos ao cargo. Mais do que isso: esperem convergência e ela não virá; tentem encontrar arcos narrativos completos ou quase completos e perceberão que eles inexistem. Kevin Costner fez uma série (ou minissérie, como queiram) costurada como filme, mas que permanece com todas as “marcas” de uma série, até mesmo com establishing shots para indicar ao espectador em que lugar determinada cena se passa e com a introdução de novos personagens até os últimos minutos da projeção.

Isso torna o filme imprestável? Não, de forma alguma. Em algumas sequências, a direção de fotografia de J. Michael Muro é muito bonita, beneficiando-se de filmagens em locações belíssimas do meio-oeste dos EUA, paisagens essas que, vale dizer, já conhecemos de outras centenas de faroestes e que Muro não tenta emprestar nenhum estilo próprio às imagens que captura. Vale especial destaque para a sequência inicial em que um punhado de colonos estão medindo terras enquanto são observados por nativos pouco amigáveis e para o corte temporal em seguida que nos leva à primeira grande sequência de ação em que um assentamento neste mesmo local é brutalmente atacado pelos apaches. O roteiro faz um bom esforço para trabalhar os vários lados dessa tensão entre colonos e nativos, mas esse esforço é sabotado exatamente porque o filme carece de continuidade, de construção de personagens, de fluidez entre cada núcleo, chegando ao ponto de o elenco ser quase todo ele desperdiçado, já que as únicas exceções que vejo são Michael Rooker, como o Sargento-Major Thomas Riordan, Luke Wilson como o líder de um grupo de colonos Matthew Van Weyden e Abbey Lee como a babá/prostituta Marigold e isso muito mais em razão do carisma deles do que pelos papeis. Até mesmo o próprio Costner, quando finalmente aparece, não funciona direito para além de ter um ar levemente cômico em razão do estranho chapéu azulado de abas largas e copa elevada que ele usa.

Costner muito claramente tinha uma visão em mente e ele poderia ter materializado essa visão ambiciosa como diversos cineastas antes dele materializaram, ou seja, com segurança e serenidade. Apenas para usar um exemplo no mesmo gênero e com basicamente a mesma história, ele poderia ter feito um novo A Conquista do Oeste, que, em 1962, foi comandado por quatro diretores e contou com um elenco de grandes nomes da época ao longo de quase três horas. Como “novo A Conquista do Oeste” não quero dizer refilmagem – longe de mim sugerir remake! -, mas sim algo coeso e consistente que tenha “cara de filme” e que não deixe tudo, absolutamente tudo para ser resolvido nos capítulos seguintes, sem que sequer uma linha narrativa tenha começo, meio e fim. Ou, claro, Costner poderia ter feito o que era ainda mais óbvio e que eu já mencionei aqui várias vezes: uma série. Ele não só provavelmente teria mais possibilidade de encontrar distribuição mundial, como poderia muito facilmente desenvolver suas histórias como elas muito claramente foram imaginadas para ser, ou seja, em literais episódios que, depois, ficam “pendurados” em cliffhangers.

Do jeito que ficou, Horizon: An American Saga – Capítulo 1 é apenas uma curiosidade. Uma curiosidade frustrante, vale dizer. Kevin Costner é um bom diretor, apesar de ter relativamente pouca experiência, e ele poderia ter feito muito melhor com o mesmo material. Preferiu seguir passos megalômanos achando que seu nome, sua história e seu sucesso recente em Yellowstone bastariam para garantir interesse e ele até poderia estar certo se todos esses fatores não o tivessem cegado para a forma como ele decidiu materializar seu sonho de longa data. Claro que serei o primeiro a assistir o próximo capítulo, mas com menos entusiasmo ainda que estava para assistir esse começo em um ano frustrante para grandes promessas vindas do passado remoto.

Horizon: An American Saga – Capítulo 1 (Horizon: An American Saga – Chapter 1 – EUA, 2024)
Data de lançamento no Brasil: 15 de novembro de 2024
Direção: Kevin Costner
Roteiro: Jon Baird, Kevin Costner (baseado em história de Jon Baird, Kevin Costner e Mark Kasdan)
Elenco: Kevin Costner, Sienna Miller, Sam Worthington, Giovanni Ribisi, Michael Rooker, Danny Huston, Jena Malone, Michael Angarano, Abbey Lee, Jamie Campbell Bower, Jon Beavers, Owen Crow Shoe, Tatanka Means, Luke Wilson, Ella Hunt, Tom Payne, Georgia MacPhail, Will Patton, Isabelle Fuhrman, Jeff Fahey, Gregory Cruz, Scott Haze, Angus Macfadyen, Etienne Kellici, Charles Halford, Dale Dickey, Wasé Chief, Elizabeth Dennehy, Hayes Costner, Alejandro Edda, Tim Guinee, Colin Cunningham, James Russo, Douglas Smith, Larry Bagby, James Landry Hébert, Dalton Baker, Chase Ramsey, Naomi Winders, Austin Archer, Raynor Scheine, David O’Hara
Duração: 182 min.

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