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Crítica | Hora do Massacre

Slasher entrega discurso objetivo e versa sobre o primitivismo interno de uma humanidade caótica.

por Leonardo Campos
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Como subgênero em constante transformação, o slasher atravessou o recente retorno do personagem legado com Halloween, O Massacre da Serra Elétrica e Pânico, agora se renovando com um amontoado de narrativas que tomam as fórmulas desses medalhões cinematográficos para criação de histórias mais autênticas, ainda assim, com múltiplas referências aos ataques perpetrados por Michael Myers, Leatherface e Ghostface. Hora do Massacre, mais novo exemplar nesse âmbito, flerta com os clássicos, mas tem muita proximidade com Feriado Sangrento. Em seu mote, estruturado pelo roteiro de Alberto Marino, contemplamos um grupo de jovens ativistas revoltados com o descaso de uma franquia de lojas que apresenta descaso com o meio ambiente e, na confecção de seus móveis e demais produtos, sequer se preocupa com uma das mais importantes palavras-chave da contemporaneidade: sustentabilidade e intervenção humana. Dirigido por pelo grupo de cineastas canadenses que se identifica por RKSS, o slasher é dinâmico, divertido, emula elementos variados de Jogos Mortais e dos demais filmes já mencionados, mas se desenvolve na média, sem arriscar uma crítica social mais densa, algo que não atrapalharia o elemento mais importante de sua existência: o entretenimento.

Quando apresentados, os jovens estão gravando o primeiro de tantos conteúdos audiovisuais para viralizar nas redes sociais e deixar a marca no mundo. Eles se consideram como ativistas anárquicos, preocupados com causas ambientais. Para isso, investigam uma dessas lojas ao estilo Tok & Stok ou Ferreira Costa, para uma ilustração mais próxima dos brasileiros. Observam detalhadamente todo o funcionamento e se infiltram, quando se consideram prontos, para destroçar tudo que podem com mensagens envolvendo tintas, sangue e outros elementos de destruição do patrimônio da empresa que lucra com a morte de animais, situação oriunda da devastação florestal amazônica. Um discurso muito ambivalente, mas válido. O que eles não esperavam, por sua vez, era que os dois seguranças noturnos os encontrasse nessa abordagem destrutiva. Um deles, Andy (Aidan O’Hare), o mais velho, segura firmemente o emprego do mais novo, o alto, agressivo e intolerante Tuly (Turlough Convery), obcecado por caça primitiva. Andy bebe demais durante o plantão e, ao descobrir a ação dos jovens, não pode notificar os superiores e chamar a polícia. É perder o emprego e se queimar socialmente. Tuly deseja partir logo para a agressão. Na tentativa de fazer as coisas funcionarem, o caos se estabelece. O diálogo é trocado pela violência e todos se tornam vítimas da sangrenta situação.

Para fazer o esquema funcionar bem, os realizadores contam com três setores primordiais: a direção de fotografia de Léo Hinstin, a textura percussiva de Arnau Bataller e o design de produção de Pep Oliver. Vou começar pelo último setor destacado. Com sua cenografia claustrofóbica, o profissional nos coloca diante de uma história com muitos espaços sorrateiros. Quem assume o antagonismo sabe mais sobre o ambiente que os jovens ativistas, por isso, a narrativa ganha camadas de tensão exorbitantes. Junto ao seu tempo de duração eficiente, pouco mais que 80 minutos, há pouco espaço para firulas e mais desenvolvimento da ação. Os ângulos e enquadramentos, favorecidos pela cenografia que parece parte de um jogo repleto de obstáculos, também funciona bem, permitindo que a travessia dos caçados e do caçador se transforme numa sufocante jornada de horror. Acoplado a tudo isso, temos a trilha sonora, uma composição barulhenta, mas que não agride demasiadamente a nossa audição, elemento que reforça a brutalidade da situação em que todos estão envolvidos.

É óbvio que Hora do Massacre é uma narrativa de entretenimento, combinado? Sabemos disso. E funciona como tal, apesar de muitos momentos inconsistentes. Para uma história do tipo, fazemos o pacto da suspensão da descrença com o que contemplamos e geralmente prego que temos que analisar um filme “pelo que é”, não pelo que “poderia ser”. Mas aqui, caro leitor, peço licença para estabelecer os meus 3 porquês ao final do filme, delineando situações que poderiam transformar o slasher da posição de “bom” para uma “obra-prima” do subgênero. Por que a construção dos irmãos não é mais delineada para o espectador? O primeiro caso é a relação dos irmãos. Andy e Tuly são seguranças e o mais velho o mantém a salvo no emprego da loja, pois diante de sua postura sem qualquer traço de inteligência emocional, o personagem constantemente é encontrado em situações onde resolve as coisas por meio da violência. A humanidade, embora tenha evoluído consideravelmente ao longo dos milênios, ainda mantém vestígios de primitivismo violento em suas interações sociais e dinâmicas culturais. Para compreender esse fenômeno, é crucial revisitar nossa história como espécie. A evolução humana foi marcada pela luta pela sobrevivência em um ambiente hostil, onde a violência era muitas vezes a única forma de garantir a preservação do grupo ou do próprio indivíduo.

Essa herança ancestral moldou nossos instintos e respostas comportamentais, que permanecem arraigados em nossa psique, mesmo em um mundo civilizado. Além disso, o surgimento da civilização trouxe consigo estruturas de poder e hierarquias sociais que muitas vezes reproduzem dinâmicas de dominação e agressão. A competição por recursos, status e poder pode despertar os instintos mais primitivos nos seres humanos, levando a comportamentos violentos em nome do poder ou da autodefesa. Outro aspecto a considerar é o papel da socialização e da cultura na perpetuação da violência. Muitos indivíduos crescem em ambientes onde a agressividade é tolerada, incentivada ou mesmo glorificada, seja na família, na comunidade ou na esfera política. Essas influências podem reforçar padrões de comportamento violento e perpetuar a presença do primitivismo em nossas interações cotidianas. Por outro lado, a própria natureza humana é complexa e multifacetada, e a capacidade de empatia, compaixão e racionalidade também faz parte de nossa essência. Faltou, no desenvolvimento do roteiro, uma construção melhor de Tuly. Ele é um monstro humano fascinado por caça primitiva, mas uma análise mais detalhada de sua evolução e motivações para agir diante do fascínio pela aniquilação de qualquer coisa que se movimente e o incomode é um ponto adicional que tornaria Hora do Massacre mais complexo.

Sair do plano para o esférico nos permitiria maior intensidade catártica. Esse é o meu primeiro porque, conectado com a falta de melhor entendimento até mesmo na relação de Andy e Tuly, contrapontos consanguíneos. Ainda nessa mesma linha de construção de personagens, temos o segundo tópico dos meus questionamentos: por que os ativistas não são desenhados com maior riqueza de detalhes? O que nós vemos são arquétipos frágeis, apenas a rebeldia juvenil, mas sem linhas de diálogos mais interessantes. Não é porque estamos diante de um slasher que o texto precisa ser descuidado. Isso é algo muito anos 1980, o subgênero passou por diversas transformações. O cerne de um movimento anarquista e rebelde reside em suas motivações intrínsecas e ideais subjacentes. A juventude, muitas vezes impulsionada pela insatisfação com as estruturas de poder estabelecidas e a desigualdade social, busca na anarquia e na rebeldia uma forma de resistência e transformação. A busca pela autonomia, liberdade individual e coletiva e a rejeição às normas impostas são pilares que definem esse movimento. Os valores e a ética compartilhados por um movimento anarquista e rebelde são fundamentais para sua coesão e identidade. A solidariedade, a igualdade, a justiça social e a não violência são princípios que norteiam as ações e relações dentro desse contexto. Os personagens vão na contramão dessas ideias, mas isso é até interessante, pois os transforma em figuras humanas realistas.

E, por fim, o último “porquê”: a motivação dos rebeldes. O discurso ambientalista é muito superficial. Requer que o espectador detenha os códigos de uma Agenda ONU 2030, por exemplo, ou de leituras sobre questões socioambientais para melhor compreender os riscos que os jovens correm. Há falhas no roteiro nesse quesito. Estamos saturados de saber que o capitalismo, como sistema econômico dominante do mundo contemporâneo, tem influenciado o desenvolvimento dos movimentos ativistas em prol da conservação do meio ambiente. Ao promover a busca incessante pelo lucro e pelo crescimento econômico, tem sido um dos principais responsáveis pela degradação ambiental global. A exploração desenfreada dos recursos naturais, a poluição gerada pela produção em massa e a falta de regulamentação ambiental são apenas algumas das consequências negativas desse modelo econômico. Nesse contexto, movimentos ambientalistas surgem como uma resposta à degradação ambiental causada pelo capitalismo, evidenciando a necessidade urgente de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade. No filme, o movimento vem de uma causa nobre, mas por causa dos personagens desenhados superficialmente, o discurso perde impacto para apenas se manter focado na frenética e eficiente caça primitiva slasher.

É entretenimento garantido, mas falha na coesão de seus debates. Poderia ser ótimo, mas se contenta em ser bom. No final das contas, todos ali, os jovens e os seguranças, são vítimas do sistema onde estão inseridos. Tanto aqueles que se contrapõem quando aqueles que o servem.

Hora do Massacre (Wake Up – Canadá, 2024)
Direção: François Simard, Anouk Whissell, Yoann-Karl Whissell
Roteiro: Alberto Marini
Elenco: Turlough Convery, Charlotte Stoiner,  Kyle Scudder, Benny Opoku-Arthur, Jacqueline Moré,Aidan O’Hare, Alessia Yoko Fontana, Tom Gould
Duração: 80 min.

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