A narração em um tempo, a representação da imagem em outra e o som que desafia mais ainda o espectador a conectar os tempos de dimensões diferentes. Em si, Homenagem ao Vento conecta quem assiste em algum momento, pela matematização do ângulo, pela busca de concretude na abstração e pela junção de narrativas integrais.
Em geral há o anseio da obra pela poetização dentro do campo “gameficado” e digital de gráfico pouco renderizado, enquanto a cientifização, ainda que existente nos desenhos 2D de cenas de uma ilustração de animais, é lúdica. Além disso, os símbolos animalescos junto com os da natureza são os confrontos propostos na experimentação do curta que narra sobre ações práticas de administração do tempo enquanto tenta relacionar isso com metáforas sobre a vida. A narração de uma personagem central, computadorizada e não sincrônica com a boca, nem com as imagens em tela, talvez seja o ponto mais fino de compreensão inicial de uma narrativa difusa.
O princípio filosófico sobre conseguir abranger toda a realidade da vida dentro do curta é o que motiva a mostrar diferentes tempos de histórias e dimensões naturalmente unidas pela montagem e conexões temáticas. O que ajuda muito a abraçar tal ideia é a falta cinismo quanto às formas explícitas de cada história, uma 2D, ou 3D. A honestidade do discurso associativo a essas imagens é tão grande que os detalhes de legenda, de quando os ícones de jogo passam entre carregamentos do gameplay, entregam a poesia, a metáfora e a caracterização presente na linguagem geral.
No final há algo misterioso e reconfortante nessa proposta de entregar a experiência temporal e visualmente distinta. Quando a identidade virtual de quem assiste o curta é estampada como artifício visual, como imagens de primeira pessoa e a repetição delas como concretização de uma sequência de imagens mais didática, acaba sendo profundo e conclusivo de ideias quando facilmente remonta-se uma narrativa dentro da própria narrativa. A conclusão de Homenagem ao Vento é tanto metafísica, misteriosa, quanto concreta, confortante, da história do avatar do curta.
Enfim, são símbolos e termos misturados que claramente formam uma brincadeira temporal com ordens de imagem, sons e movimento. Quanto mais se pensa na vida do curta mais ele vive de maneira natural na experiência escura que ele conclui. É a tal criação para a morte, e isso não soa maldito, e sim a benção que harmoniza narrativas a se integrarem sem qualquer sombra de dúvida.
Homenagem ao Vento (Homage to Airway) — Dinamarca, 2019
Direção: Sophia Ioannou Gjerding
Roteiro: Shophia Ioannou Gjerding
Duração: 12 min.
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A Correnteza X
No movimento captado da natureza a essa escolha de adentrar mais microscopicamente debaixo d’água, ou expandir a imagem para mostrar a plantação ao som do vento vertiginoso; uma homenagem é feita à poesia da realidade já criada, onde até após a morte é plantada e semeada mais uma vez, ciclicamente.
Embora o movimento das imagens não seja diretamente cíclico, e sem necessariamente abusar de rimas visuais ou colagens associativas óbvias, o que se vê é a contradição dos vetores do movimento do vento ou da água, que em si só naturaliza ainda mais o movimento da natureza de organização própria.
Quanto ao som, há uma contraposição — não contradição –, recorrente de picos e baixos níveis de som que acompanham a linguagem da natureza, mas até certo ponto há uma sonora rima interativa por diferenciação de meio na imagem, água e ar, mas mantém-se o mesmo movimento das plantas.
A imagem claramente se submete ao movimento e ao som, em que a montagem se equivale a uma aparente mudança de paradigma, quando na verdade recorta zooms distintos num mesmo ambiente, e por vezes quase do mesmo momento. Outro aspecto poético mais sensível é como a decupagem, a escolha das cenas e suas ordens de maneira geral, suaviza ou exacerba o som, harmonizando com a contraposição, concluindo ainda mais o movimento dentro do sistema de plantação.
Acaba por ser essa poesia natural externa e internamente, nos movimentos que arquitetam o crescimento da plantação. Porém, não se mostra o seu semear, apenas é representada a própria ideia cíclica, na elipse do trabalho antropomórfico, de retirada da planta, porque não há esperança além desse contínuo movimento eterno de florescimento. Mesmo que apareça uma máquina, o plano da imagem que a mostra é aberto demais, exatamente para preservar a noção de que está tudo transformado na natureza. Esse é o reflexo poético e salvífico no seu reflexo.
A Correnteza X (The Stream X) — Japão, 2019
Direção: Hiroya Sakurai
Roteiro: Hiroya Sakurai
Duração: 7 min.