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Crítica | Homem-Aranha: Azul

por Gabriel Carvalho
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Acho que, quando tento entender… entender como me sinto às vezes nesta época do ano, eu me sinto triste. Como a cor azul. Não que eu não goste de azul, mas… é uma cor triste. Como o Jazz… Como o Blues…

Em junho de 1973, nenhum dos milhares de leitores do Homem-Aranha, um dos personagens mais lucrativos para a Marvel Comics até então, esperava que na edição de número 121 da revista The Amazing Spider-Man fosse confrontado com a maior constante da vida: a morte. Não era apenas uma morte simbólica, que fizesse o personagem principal passar por uma jornada heroica, como fora com o Tio Ben. Era a derrocada. A namorada do super-herói estava morta. Algo impensável, mas que consolidava assim o fim da ingenuidade nos quadrinhos. O ponto de virada. A importância que Gwen Stacy teve para a arte tem como paralelo a importância da personagem para o próprio herói. Para a própria mitologia do Homem-Aranha, o amigão da vizinhança, que naquelas revistas em diante, teria de se aventurar pelo mundo sem a sua namorada perfeita.

Quase 30 anos depois, a minissérie de Jeph Loeb propõe-se a recontar a história de amor entre Peter Parker e Gwen Stacy, desde a primeira troca de olhares, sem deixar de permear todo o romance com o espírito das clássicas aventuras do Homem-Aranha, com direito as aparições de alguns dos mais famigerados inimigos e alguns dos mais amados amigos. A graciosidade da história está em rever todos esses encontros, a maioria reimaginados de acontecimentos reais de edições clássicas, por meio de um ponto de vista novo, ou seja, o de um saudoso e eterno namorado. Loeb conduz perfeitamente a história, azul, sem nunca cair no sentimentalismo barato, e por tal, trazendo um narrador melancolicamente otimista. É Dia dos Namorados, e Peter Parker encontra um velho gravador.

O pontapé inicial da “conversa” entre Peter e Gwen está na derrota do Duende Verde em The Amazing Spider Man #40, aqui recontada por meio da majestosa arte de Tim Sale, que remete maravilhosamente aos traços de John Romita, em uma espetacular homenagem que enaltece ainda mais toda essa nostálgica fase do Teioso. No prosseguir do âmbito narrativo, com a presumida perda de memória do Duende, e consequentemente de Norman, que havia antes descoberto a identidade do herói, Parker passa a visitar o seu arqui-inimigo e se aproximar de Harry Osborn. E por falar na garota, é de importante coesão do enredo, que tal evento seja o impulso necessário para a aproximação dos dois. Sem aquela derrota, Peter não teria se aproximado de Harry, e sem se aproximar de Harry, Peter não teria se aproximado de Gwen, mesmo que aquela derrota desse margem para que um dia o mesmo homem tirasse a vida da loira. Um paradoxo doloroso.

Somos então reintroduzidos gradativamente a todos os aspectos do dia-a-dia sessentista de Parker que fizeram o personagem tornar-se um ícone popular, como por exemplo a doce Tia May, e sua delicadeza amorosa, que inicialmente permitirá o garoto a ter sua primeira motocicleta, e o fará levar Gwen pela primeira vez em um passeio, em um quadro, sem dúvidas alguma, belíssimo. A importância da senhora também reside em acontecimentos seguintes, que diante dos diversos diálogos afetivos com seu sobrinho, faz a mulher tornar-se responsável pelo encontro que balançaria toda a estrutura da vida amorosa de Peter; o com Mary Jane Watson, personagem que será melhor analisada em um outro parágrafo .

Os momentos cômicos, que tanto fizeram parte do cânone do Aranha, são interessantemente colocados na obra, sem perder o objetivo do roteirista em exibir todo o contexto envolto da realidade mais sombria que viria em um futuro um tanto quanto próximo para o personagem e sua amada. O retrato jovial do Homem-Aranha em ação ainda contrasta muito bem com o Peter Parker mais sem graça, atrapalhado, quase bobo, que vai aos poucos ganhando maturidade para se comportar de modo mais firme frente aos conflitos mundanos. A questão do Clarim Diário, e seu editor-chefe, rabugento, contudo, não menos engraçado, J. Jonah Jameson continua atual na posição de um personagem ambíguo em suas atitudes, mas uniformemente amplo em seus sentimentos.

De tal maneira os sentimentos se estendem ainda mais quando Harry acaba convidando Peter para morar com ele, tendo em vista que seu pai continua no hospital e um de seus luxuosos apartamentos está, por causa disso, vago. A dualidade de pensamentos que o garoto estava tendo em relação à Gwen e MJ parece, em decorrência desse pedido, encontrar verdadeiros trilhos, mas é interessante frisar, antes de tudo, a paciência que Parker tem em revelar tal mudança para sua tia que segundo o próprio, em um dos diversos momentos tocantes da história, é a pessoa mais frágil e mais forte do mundo. Com Harry saindo com MJ, Parker continua a se encantar por Gwen, e ela por ele. A ruiva, por outro lado, não desiste de suas investidas, talvez mais provocativas do que realmente propositais. Aliás, a introdução da personagem, ao final da segunda edição, é simplesmente sensacionalmente desenhada por Sale, que leva o espectador a conhecer primeiramente os olhos, depois a boca, até finalmente poder compreender, por completo, o choque de Peter.

E por falar na ruiva, segundo palavras do próprio Aranha, se a vida era uma festa, ela era o bolo. Pelo menos até aquela ponto ela ainda era. A revelação, por parte do próprio protagonista, de que talvez a morte de Gwen tivesse despertado em Mary Jane a pessoa que um dia se tornaria a mulher de sua vida é amarga, mas infelizmente, verdadeira. O comportamento de Mary Jane, e sua reação ao fato de Peter estar conversando com sua ex-namorada falecida, demonstra uma maturidade enorme, não transparente antes do terrível acidente. Por outro lado, Loeb não representa muito bem em suas passagens um ponto que poderia ser vital para uma mais que extraordinária conclusão da história: uma amizade entre Mary Jane e Gwen, que, se melhor explorada, poderia ter feito as palavras finais da garota soarem ainda mais impactantes.

Ademais, do resto dos coadjuvantes, um dos maiores destaques está em Flash Thompson, que Loeb faz questão em realçar sua personalidade agressiva, retratando muito bem a mudança do personagem: de um bully, enciumado pela recém-entrada de Parker na roda de Harry, para um homem, fã do aracnídeo, que busca entrar em uma jornada de redenção e encontrar algo de bom para fazer, após ter sido salvo pelo Homem-Aranha durante um combate fervoroso entre as duas versões do Abutre.

Pois bem, além do Duende Verde inicial, alguns demais vilões da galeria de inimigos do amigão da vizinhança dão as caras, sendo estranhamente manipulados por Kraven, o Caçador, que fica na espreita até dar as caras na última edição. Mesmo soando deslocados da proposta geral de Homem-Aranha: Azul, tais momentos soam naturais se for levado em conta o histórico dos embates dentro dos quadrinhos e a persistência dos clássicos conflitos do herói contra o vilão no cânone do personagem, que apenas em poucos momentos teve a real oportunidade de descansar. A aparição final de Norman Osborn, cara-a-cara com o Homem-Aranha, ao menos, deixa as pontas amarradas para o infeliz evento que seria A Noite em que Gwen Stacy Morreu.

O encontro de corpo e alma, que encerra a narração de Peter Parker, pode não ser o melhor representativo de toda a história entre os dois amantes. Todavia, consegue eficientemente entregar ao público o momento exato da evolução da paquera para a paixão, que se tornaria, evidenciado pela emocionante “conversa” de Parker com Stacy, algo ainda maior. É interessantíssimo que a narração tenha em Homem-Aranha: Azul tanto peso, senão mais, que os diálogos em si. Loeb, sendo assim, cria não apenas um belíssimo conto sobre a conexão entre duas pessoas, como retrata a mais linda carta de amor dos quadrinhos, situada em um pano de fundo azulado.

Homem-Aranha: Azul não trata-se apenas de Gwen, e sim de toda sua importância para a mitologia envolta de Peter Parker. De como ela se correlacionou com uma nova fase do personagem, sem óculos e mais sociável. De como ela se correlacionou com a amizade de Peter com Harry Osborn, uma proximidade perigosa que se revelaria, um dia, fatal. E de como ela introduziu ao garoto a mulher que mais tarde seria a parceira e personagem coadjuvante mais importante das histórias do herói. A arte de Tim Sale por si só demonstra toda a inspiração para a história, que caracteriza-se enfim como um ode fantástico aos anos 60 e 70 do Aranha.

Homem-Aranha: Azul (Spider-Man: Blue | EUA, julho de 2002 até abril de 2003)
Roteiro: Jeph Loeb
Arte: Tim Sale
Arte-final: Tim Sale
Cores: Steve Buccellato
Letras: Wes AbbottRichard Alan Starkings
Capa: 
Tim Sale
Páginas: 137

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