Com este arco em duas partes, primeiro focado nos acontecimentos da noite do “Hollywood Screen Awards” e depois em uma viagem de Buddy Baker pelo Vermelho e pela vastidão do Universo, pulsando pela Teia da Vida, encerra-se a fase de Jeff Lemire à frente do Homem Animal, assim como a revista do herói nos Novos 52. E que encerramento! À época, Lemire comentou que partiu dele a iniciativa de encerrar a saga sob sua tutela aqui: “Depois de terminar o roteiro da edição número #29, eu senti que tinha completado a história que queria contar com a família Baker e eu achei que seria o final perfeito para a série. A melhor maneira para que eu pudesse explorar novas coisas com o personagem seria movê-lo para alguma equipe e mexer um pouco no seus status quo. A DC concordou e a mensal do Homem-Animal terminará […]“.
Particularmente, achei uma escolha corajosa e muitíssimo acertada do autor e também sabiamente acatada pela DC, pois “o que tinha para ser contado”, ao menos nessa linha de eventos que começou com um desequilíbrio nos poderes do herói + a ação particular de sua filha e o primeiro contato com a podridão em A Caçada, se desenvolveu para algo grandioso — como o elogiado crossover com o Monstro do Pântano em Mundo Podre — e terminou com uma tragédia familiar imensa para Buddy Baker. Sinceramente não achei que o desfecho da saga da podridão fossem permanecer, mas Lemire manteve ativa a sua proposta de trazer algo diferente para os leitores desse título e soube mergulhar com bastante facilidade nas referências de encerramento do título anterior do Homem Animal, explorando de maneira intrigante e, embora virtualmente triste, acenando para uma esperançosa realidade, aquilo que Jerry Prosser introduziu mas não soube trabalhar em Anima Mundi e Dores de Parto.
O trabalho do roteiro aqui vai além da própria essência do que conhecíamos do Homem Animal até o momento, e esse talvez seja o maior elogio que podemos fazer a Jeff Lemire neste run. Assim como Grant Morrison faz a sua revolução à frente do personagem, manipulando sua existência através de um fator metalinguístico, Lemire também deixou a sua marca fazendo com que o Homem Animal realizasse a mesma viagem de descoberta de “vida além do básico” que o Pantanoso, sob a pena de Alan Moore, realizou entre os arcos De Terra a Terra e Reunião. Embora o emprego de descoberta de outras vidas e possibilidades neste arco não seja algo original (nem mesmo para o Bichoso, que já tivera contato com a fauna espacial em Volta ao Lar), Lemire presta a devida homenagem e cria, de maneira coerente com toda a jornada até o momento, uma versão de Toda Carne é Erva, guardadas as óbvias proporções. No fim, a proposta e o resultado final são os mesmos: fazer com que o personagem se alie de maneira mais forte ao núcleo de seu poder e que tenha a sua força e uma gama de capacidades ampliadas.
Com arte de Rafael Albuquerque, Cully Hamner e Travel Foreman, seguimos com a narrativa que se alterna primeiramente em dois grandes espaços (no Vermelho e em Hollywood), e depois em três, no Vermelho, no Planeta-Semente e em Hollywood, com o desfecho do desaparecimento de Buddy. A alteração de artistas e coloristas ao longo das edições contribuiu para tornar a aventura visualmente ainda mais rica, com cada espaço ganhando possibilidades distintas através do tratamento de cada painel. Como o roteiro é bastante objetivo, medindo muito bem o tempo e as ações que acontecem em cada espaço (há alguns poréns em relação a isso que abordarei em seguida) o leitor não se sente cobrado em termos de paciência ou algo parecido. Toda a narrativa é rápida e está claramente posta para fechar as janelas abertas ao longo dessa caminhada.
Infelizmente fica aberto o pequeno “impasse de poderes” entre Buddy e o Parlamento da Carne. Para um enredo tão bem fechadinho como esse, é impossível não observar a falta de um contexto mais preciso em relação à determinação dos Totens para Buddy, considerando que o Vermelho da Terra estava fechado para ele. Seria muito interessante que fosse explicitado a dominação dessas forças a partir da Comunhão, a semente-ritual que deu a Buddy os poderes de acesso aos bichos de outros planetas. Também me frustou um pouco o fato de Buddy não utilizar de seus poderes para criar algo diferente no Vermelho. Não um novo Parlamento ou algo do tipo, mas uma marca sua. Maxine tinha deixado a dela e seria bom que Buddy deixasse a dele também.
Já o final é extremamente simbólico. Me lembrou bastante o exercício de encarnação em diversos corpos que o próprio Homem Animal fizera em Carne e Sangue. Um final lírico, sentimental, um pouco melancólico mas na medida certa para o ideal de Ciclo da Vida, de Morrer & Renascer que tanto se falou aqui. E que bom que as coisas terminaram desta forma. Coerentes. Sem uma interferência no equilíbrio do Vermelho, mesmo que para o “bem” pessoal. Uma verdadeira lição sobre o respeito à vida e aos mais diversos caminhos que ela toma para se fazer valer. A grande charada da evolução.
Animal Man: Hollywood Babylon / Evolve or Die! #24 – 29 (EUA, dezembro de 2013 – maio de 2014)
No Brasil: Evolua ou Morra (Panini Comics, outubro de 2014)
Roteiro: Jeff Lemire
Arte: Rafael Albuquerque, Cully Hamner, Travel Foreman
Arte-final: Rafael Albuquerque, Cully Hamner, Travel Foreman
Cores: Dave McCaig, John Kalisz, José Villarrubia, Lovern Kindzierski
Letras: Jared K. Fletcher
Capas: Rafael Albuquerque, Dave McCaig, Jeff Lemire, Travel Foreman
Editoria: Matt Idelson, Joey Cavalieri, Kyle Andrukiewicz
132 páginas