O veredito simples e simpático que qualquer leitor deve ter ao terminar a leitura da edição #89 da revista Homem Animal Vol.1, aquela que encerra o título, é a seguinte: “isso deveria ter sido cancelado dez edições atrás, quando Jamie Delano se despediu, com sua estranha, caótica e ainda assim curiosa Praga Vermelha“.
Embora o primeiro arco de Jerry Prosser no título (Tipo Selvagem) tenha sido bom à sua maneira — embora a queda de qualidade em relação à fase anterior fosse gritante — as coisas ali apresentadas não tinham força ou grande sentido dramático para garantir a continuidade dos dois pequenos arcos que formariam essa parte final do volume. Primeiro, temos uma edição-ponte, a de número #84, que não é classificada dentro de um arco nenhum, mas é a ponte entre Tipo Selvagem e Anima Mundi, este, comportando as edições #85 a 87. Já a história Dores de Parto, como deve ter ficado claro, encerra a saga do Homem Animal, nas edições #88 e 89. Em ambos os casos a minha avaliação geral é a mesma utilizada na abertura da crítica.
O maior choque e possível raiva do leitor em relação a toda esta fase é a descaracterização completa do Homem Animal. E com isso não quero colocar aqui a necessidade do uso do uniforme do herói ou de sua concepção básica, porque isso já vinha se diluindo desde Deus Ex Machina, chegando a um estágio onde o herói nem era mais o herói, era um avatar selvagem e monstruoso do Vermelho. E tudo bem, aquilo fazia sentido dentro da concepção geral da saga, as mudanças no corpo, na mente e na forma de olhar o mundo eram influenciadas por modificações externas a Buddy e o leitor, gostasse o não, tinha material suficiente para saber de onde e por quê tais mudanças aconteciam. Nesta fase de Prosser, porém, tais justificativas são ignoradas e desde o retorno de Buddy como xamã ele não é mais o mesmo sob nenhum aspecto imaginável.
Ok, existe toda a jornada de mudanças e novas percepções apresentadas em Tipo Selvagem, mas a escalação daquilo como motivo para uma alteração desse porte é bastante frágil. Não dá para entender Buddy voltando como xamã “apenas porque ele representa o Vermelho como um xamã“. E o pior é que esta ideia aparece repetidas vezes ao longo de Anima Mundi, quando a White Queen se manifesta e faz todo o movimento para dominar os mundos de matéria, espírito e imaginação. A impressão que temos é que Prosser tentou criar um Homem Animal com base em pedaços daquilo que antes se colocara na série (os aliens de Dave Wood e Grant Morrison, aqui refigurados, são uma prova disso) e fazer com que essa figura, esse representante ou avatar fosse tal qual a visão que a maioria de nós temos de Deus, e isso é colocado na última parte da concepção do corpo de Buddy, que consegue “ver as coisas direito” mas, pasme, ainda mantém a mesma aparência. É como se o autor não quisesse avançar.
Os conceitos de nascimento, criação de representantes, renúncia e variação do bem e mal dentro de um ambiente de proteção à vida no planeta são sempre interessantes. Se forem bem trabalhados, podem originar tramas excelentes, vide a passagem da Saga do Monstro do Pântano das mãos de Alan Moore para Rick Veitch, com toda a noção de nascimento e preservação da vida, abrindo possibilidades para os mais variados caminhos narrativos. Nem é preciso dizer que Prosser se inspirou nesse título para dar ao Homem Animal um sentido maior que o próprio Universo do personagem, até então. Tal ambição, manchada por verborragia desnecessária e indícios de crítica social que o autor abandona no meio da história, é um dos motivos principais para a queda da qualidade nessa fase final.
Aí entram as “escoras narrativas”. Na série, a partir de Presas e Garras, nós tivemos a presença de um formato narrativo diferente levado a cabo por Delano, que era a representação de algumas situações através dos desenhos de Cliff, com seu personagem Kid Canibal, mais fortemente presentes em Formas Misteriosas. Jerry Prosser resolveu entrar na mesma brincadeira aqui, mas é bastante mal-sucedido, porque exagera na quantidade de texto e páginas que usa para expor a “história dentro da história” e dela se utilizar para tornar o roteiro dinâmico. A única coisa realmente boa em todos esses contos é a arte de Fred Harper, mas chega um ponto em que o leitor está tão descontente com o terrível andamento do texto que a arte também passa a irritar (destaco aqui a pior de todas essas historinhas, a do Meme…). No fim das contas, um recurso que era para ajudar o texto a ser melhor apreendido pelo público, acaba tendo o efeito contrário.
Com Buddy novamente renascido mas não mostrando nenhuma transformação emocional ou física, sobrou pouca coisa para os fãs do Homem Animal aproveitar entre as edições A Placenta da Terra (#88) e E o Bebê Cria a Eternidade (#89). Essencialmente temos boas ideias e boas ilustrações, mas parece que alguma coisa sempre atrapalha o que poderia mudar a nossa opinião a respeito dos arcos finais. Como é um final de saga, fica evidente a falta de tato de Prosser em encerrar as subtramas que ele mesmo criou. Suas loucuras místicas, filosóficas e religiosas misturadas com ideais quase poéticos sobre nascimento, interação entre forças do Universo e concepção do tecido da vida (Campo-M/Vermelho) são desnecessariamente priorizadas e o destino dos personagens a quem estivemos ligados por tanto tempo — isso sim, algo importante para a história –, é deixado de lado.
Iniciada nas alturas com Grant Morrison, em O Evangelho do Coiote, esta jornada do Homem Animal termina desfigurada e mal escrita, com um Buddy Baker irreconhecível em sua essência e envolto em uma temática que está cheia de pequenos momentos de grande valor teórico e emocional, mas que vista no todo, praticamente não faz sentido. Não é nada espantoso que o título tenha sido cancelado aqui. Uma decisão mais do que justa. E para falar a verdade, durou mais do que deveria. Se terminasse pelas mãos de Delano, na edição #79, não teríamos perdido tanto tempo com bobagens ao longo de 10 revistas verborrágicas escritas por Jerry Prosser.
Animal Man: Anima Mundi (EUA, junho a novembro de 1995)
Homem Animal Vol.1 #84 a 89
Roteiro: Jerry Prosser
Arte: Fred Harper
Arte-final: Jason Temujin Minor
Cores: Tatjana Wood
Letras: Comicraft, Richard Starkings
Editoria: Lou Stathis, Axel Alonso
Capas: Rick Berry
150 páginas