“Quero ser uma representante da minha raça. Da raça humana.”
Maya Angelou
Já faz alguns anos que vejo algumas pessoas, geralmente com um certo tom prepotente e metido a diferentão, tentar diminuir o trabalho de Beyoncé Knowles-Carter pelo simples fato dela não tocar instrumentos ou escrever suas próprias músicas. Homecoming, o recém chegado documentário sobre o lendário show da cantora no Coachella 2018, é prova que a artista é, sem dúvida alguma, uma das maiores de sua geração. O grande holofote do filme é seu show do Coachella, um feito artístico que não é apenas o maior da cantora, mas também um dos maiores dessa década. Ligando as várias partes do espetáculo está uma lindíssima parte documental muito bem editada composta por bastidores, ensaios e entrevistas que ditam não apenas as ambições e intenções de Beyoncé, mas também momentos de intimidade familiar poucas vezes divulgados ao público.
Sobre o espetáculo do Coachella, tudo o que há para se dizer foi dito na época da realização e transmissão ao vivo do show, mas precisa ser reafirmado novamente: uma verdadeira e impecável celebração sobre diversas faces artísticas (desde a música até o teatro e a dança), uma exaltação do orgulho negro e do empoderamento feminino. Não há discursos ou verborragia aqui, toda a mensagem que Beyoncé tenta passar está na música e nas extraodinárias performances, tudo por meio de sutilezas, mesmo que essas estejam contidas na escala absurda do espetáculo realizado. Se trata de uma mensagem universal, tal qual a de outros artistas contemporâneos, como Kendrick Lamar, uma vez que consegue ir além da representatividade feminina e negra, abordando e celebrando a liberdade e aceitação interna de cada um, bem como a busca por tornar realizável o impossível.
Como a própria artista diz no documentário, sua principal prioridade, antes das gigantescas e impressionantes performances, era a música propriamente dita. E essa preocupação é clara, toda a execução musical é perfeitamente executada por uma orquestra que constrói e aprimora todos os arranjos das canções da cantora e define uma experiência auditiva magnífica. É lindo observar mulheres baixistas, guitarristas e bateristas conduzindo as músicas com a mesma personalidade arrebatadora de Beyoncé, ao lado da mesma no palco. A banda, a orquestra e a fanfarra trabalham em tamanha sincronia que é impossível não termos certeza que estamos diante do atemporal. Por fim, Beyoncé simplesmente entrega o esperado daquela que pode ser a maior performer atualmente viva na indústria musical. Acerta todas as notas com sua voz, coordena e prende todo o público nas mais variadas performances, esbanjando sensualidade, empoderamento feminino e um carisma inigualável.
Toda a parte documental é dirigida sob uma perspectiva nostálgica, tanto no roteiro quanto nas lentes. Temos um dos poucos relatos públicos da gravidez dos gêmeos da cantora, detalhando problemas que teve durante a gestação. Vemos seu hercúleo trabalho buscando voltar a forma, mantendo uma severa dieta enquanto precisava dividir atenção entre os filhos recém nascidos e o massivo trabalho. Vemos, além de depoimentos de vários integrantes da equipe durante a os bastidores, toda a elaboração do projeto Homecoming feito pela artista, as inúmeras horas de ensaios, reuniões e coordenação do que tinha em mente. Beyoncé deixa claro que tomou e fez parte de todo tipo de decisão quanto ao espetáculo – sua visão, ambição e esforço mostrados aqui impressionam. Enriquecendo o documentário, ainda há falas de intelectuais negros que focalizam toda a ideia que a artista deseja passar através da obra.
Homecoming é o triunfo de Beyoncé, primeira mulher negra a ser headliner do Coachella. Nesse triunfo, ela eterniza e expande sua vitória para algo muito maior, uma verdadeira celebração da representatividade: mais de 200 artistas negros compartilham o palco com a cantora. Durante o show, a artista deixa claro diversas vezes que aquele espetáculo não é meramente seu, mas de todos ali naquele palco e, sobretudo, da cultura negra. É uma verdadeira e impecável celebração musical de escala poucas vezes vista, executado em um nível artístico tão gigantesco que é comparável apenas a feitos de Michael Jackson e Madonna. Para os chatos da vez, sinto informar, mas compondo ou não, Beyoncé com sua visão ambiciosa se prova uma das grandes mentes criativas de sua geração.
Homecoming: Um Filme Por Beyoncé (Homecoming: A Film By Beyoncé) – EUA, 2019
Direção: Beyoncé Knowles-Carter
Com: Beyoncé Knowles-Carter, Jay-Z, Solange, Kelly Rowland, Michelle Williams
Duração: 137 min.